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segunda-feira, 11 de maio de 2009

Você paga todos os privilégios deles

Por: Alexandre Barros, cientista político (Ph.D. - University
of Chicago), é diretor-gerente da Early Warning: Análise
de Risco Político (Brasília)
(Artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 11 de maio de 2009)
Sempre que alguém desfruta um privilégio, outros "alguéns" pagam por ele, sem ganhar nada com isso. São tantos os privilegiados no Brasil que nem sabemos quanto eles nos custam.

Passagens, cartões corporativos e mordomias dos políticos e seus funcionários (viagens de parentes e amigos, tapioca, além da corrupção) foram todos pagos com nosso dinheiro. Por isso trabalhamos até fins de abril só para pagar os gastos "do governo".

Em 2008 trabalhamos 117 dias para sustentar a farra. Sobraram apenas 249 dias para viver, cuidar da educação, da saúde... Só começamos a ganhar para isso lá por fins de abril. E no dia 30 acertamos o Imposto de Renda (IR), pagando mais um pouco ou recebendo uns caraminguás de restituição quando a "Receita liberar os lotes".

Numa palestra, o então deputado Delfim Netto falou da ideia de não pagar impostos, mas advertiu aos presentes à audiência: "Não vão sair por aí falando que as pessoas não devem pagar impostos porque isso é crime!" Assim, caro leitor, você pode ficar triste, zangado ou irritado por pagar impostos. Mas não estou dizendo que não os pague.

Meu esforço é simplesmente para que saiba dos impostos escondidos que você paga, além daqueles cujas contas acertou no último dia 30. Porque você paga impostos em tudo o que compra, ou vende, ou dá (só escapa esmola).

Os gaúchos tiveram uma boa ideia: criaram o Dia da Liberdade de Impostos (27 de maio). A intenção é mostrar como seriam baratas as coisas sem eles.

Funciona assim: um grupo de voluntários (você pode ser um deles) se organiza e consegue convencer pessoas ou empresas que têm dinheiro (atenção: não são privilegiados, mas cidadãos que o ganharam com o esforço de seu trabalho e se dispõem a patrocinar a campanha) e topem pagar o imposto relativo a, por exemplo, xis litros de gasolina de um determinado posto (são necessários, no mínimo, quatro voluntários para cada posto).

O governo não tem do que reclamar, pois acaba recebendo o dinheirinho que lhe cabe nesse latifúndio e ninguém está cometendo nenhum crime.

Acertado que os patrocinadores vão pagar o imposto incidente sobre, digamos, 2 mil litros de gasolina, há a necessidade de anunciar que naquele posto, em 27 de maio, a partir das 9 horas, os motoristas que receberem as 100 senhas (é bom começar a distribui-las de madrugada) têm direito a comprar um máximo de 20 litros do combustível e pagar o preço sem imposto. Há faixas, filas, imprensa, televisão e toda essa parafernália. Esse é o objetivo da campanha.

Espera-se que a polícia, que também é paga com o seu imposto, compareça, se necessário for, para ajudar a organizar a fila e o respeito à ordem de chegada.

Dá trabalho? Dá, e muito. Mas a propaganda é a alma do negócio, mãos à obra. O objetivo é criar massa crítica suficiente para que os legisladores vejam que há muitos interessados em que os impostos baixem, para pararem de pagar passagens aéreas e outros desperdícios e corrupções que ainda não chegaram às manchetes.

Pode dar certo ou não. Na eleição de Barack Obama deu. A campanha presidencial de Obama não recebeu um tostão furado do governo. Com isso ele pôde arrecadar quanto quis. Seu concorrente, John McCain, tinha um limite para receber de doadores privados porque havia recebido dinheiro público (isto é, dos pagadores de impostos).

Aqui não vamos eleger o presidente, vamos só dar um gostinho e um saberzinho às pessoas de como a vida poderia ser muito melhor com impostos mais baratos. Você que comprou seu carro ou seu eletrodoméstico com redução de impostos já sabe como isso é bom. Melhor seria se assim fosse o tempo todo, com todos os produtos.

Mas para isso teríamos de cortar privilégios. Os camarões comidos nos palácios do governo saem nadando do seu bolso. O uísque bebido nas recepções do Itamaraty foi confiscado de algum brasileiro que pagou sua passagem internacional com o seu dinheiro e trouxe um pouquinho mais do que o governo gostaria que ele trouxesse.

Não se iluda, ilustre passageiro, foi apreendido dos brasileiros sem privilégios. Porque os privilegiados passam pelo "canal azul" da alfândega. Ah, você achava que só existiam os canais verde e vermelho? O azul existe, mas é invisível. Por ele passam os privilegiados e os que corrompem funcionários corruptíveis. Você nem chega a saber que ele existe.

Moro numa quadra, em Brasília, onde vivem muitos magistrados de tribunais superiores e por isso canso de ver ministros andando pelas poucas calçadas da cidade, comprando remédios, pão, frutas e outras coisas que tais.

Assustei-me, no entanto, quando cruzei no aeroporto com um ministro torto acompanhado por um segurança saindo do avião. Em 26 anos de Brasília, eu nunca tinha visto isso.

Infelizmente, parece que não se fazem ministros direitos como antigamente, quando, numa segunda-feira à tarde, encontrei oito ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) comendo pizza com refrigerante numa cantina popular a menos de 200 metros da casa deles.

A cultura do privilégio ameaça tornar raros os ministros direitos, facilitando o aparecimento dos ministros tortos. Essa é uma das razões por que a gasolina deveria ser mais barata.

Em tempo: também não custava nada o lixo do prédio dos ministros do STF ser colocado num lugar mais discreto do que a entrada da superquadra. Lixo na entrada dos outros, além de privilégio, é escárnio.

Privilégio, meu caro leitor, é tudo isso que é outorgado de graça a alguém e é pago por todos. Está demais. É hora de reclamar!

Alexandre Barros, cientista político (Ph.D. - University
of Chicago), é diretor-gerente da Early Warning: Análise
de Risco Político (Brasília)
E-mail: alex@eaw.com.br

2 comentários:

  1. Meu caro Alexandre,

    Hoje, quem se deliciou no café da manhã lendo o teu artigo ("Você paga todos os privilégios deles") fui eu. Gostei. Bem-humorado, crítico, prático. Bom, para completar a parte prática do assunto, sugiro duas coisas:

    1) Hoje há 28 cidades brasileiras que adotaram o modelito de Bogotá e Medellín de "Como vamos"; a sociedade civil, organizada, uma vez por mes faz um balanço de como vai o seu município nos itens fundamentais de serviços públicos. Poder-se-ia sugerir, às 28 cidades brasileiras que aderiram ao "Como vamos" (a começar por São Paulo - Movimento A Nossa São Paulo - e Rio - Movimento Rio Como Vamos -) que incluíssem, nos relatórios que fazem mensalmente e que divulgam na imprensa local, o cálculo do que pagam a mais por impostos.

    2) Em relação ao que dizes no final do teu artigo ("também não custava nada o lixo do prédio dos ministros do STF ser colocado num lugar mais discreto do que a entrada da superquadra. Lixo na entrada dos outros, além de privilégio, é escárnio"), sugeriria que não se mudasse o lugar do lixo de suas Excelências, mas que esse lixo fosse examinado por algum jornalista. Lixo é uma fonte maravilhosa de informações. Ora, se o lixo de Suas Excelências vai parar em lugar oculto, perde-se esta preciosa fonte. Se a minha proposta fosse atendida, o lixo na entrada dos outros converter-se-ia, assim, em janela para os cidadãos melhor conhecerem as entranhas do poder.

    Bom, e por falar em cálculo, o tempo trabalhado pelo brasileiro médio, anualmente, para pagar impostos, aproxima-se já do tempo dedicado à corvéia pelos felãs do Antigo Egito, no tempo dos Faraões. Os felãs trabalhavam, obrigatoriamente, 6 meses por ano, de graça, para o Soberano (que garantia aos trabalhadores-escravos uma cesta básica de rabanetes e cebolas, inibidores naturais da diarréia). Por aqui já estamos na casa dos cinco meses e pouco. E nem rabanetes nem cebolas recebemos do Leviatã orçamentívoro...

    Grande abraço e bom início de semana.

    Ricardo

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  2. Amigo Ricardo Vélez! E como pagamos caro! Agora mesmo a Receita reconheceu outro aumento da carga tributária em 2008. Como bem escreveu Paulo Moura para o site do Instituto Millenium (www.imil.org.br): "Lula e todos os governantes distribuem dinheiro que tiram da carteira alheia". No mais, parabéns pelo blog, do seu amigo Renato Lima (Café Colombo - www.cafecolombo.com.br).

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