Pesquisar este blog

quarta-feira, 26 de março de 2014

ORTEGA Y GASSET, OS ROLEZINHOS, AS BADERNAS E A REBELIÃO DAS MASSAS



O filósofo espanhol José Ortega y Gasset, autor de La rebelión de las masas, obra publicada em 1928.

Data de 1928 o clássico livro do filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955) intitulado: A rebelião das massas, que conta com bela edição brasileira publicada pela Martins Fontes (tradução de Marylene Pinto Michael, 2ª ed., São Paulo, 2002, 300 páginas). O livro continua atualíssimo, haja vista que nos deparamos constantemente com a tal "rebelião das massas" nos rolezinhos em shoppings centers, nas manifestações multitudinárias de jovens descontentes (muitos deles pertencentes à geração "nem-nem"), nas badernas dos black blocs, no fechamento de ruas pelos "trabalhadores sem teto", nas arruaças protagonizadas por universitários porque um deles foi preso com maconha no campus da Universidade, nos palanques messiânicos em que os Lulas da vida oferecem felicidade e riqueza sem esforço, nas operações de "enriqueça-se quem puder e como puder" que tomam conta das estatais dominadas pelos companheiros (remember Petrobrás e outras) neste lastimoso final de mandato da Presidenta Dilma, etc.

Lembro-me de que, no início da minha vida profissional como professor de filosofia, em meados de 1968, pouco antes de conseguir o meu primeiro cargo como docente, desempenhava as funções de vendedor da editora Aguilar, em Medellín, na Colômbia. Tinha conseguido tal emprego em janeiro desse ano, por intermédio de amigos espanhóis. Não vendi nada. Mas li muito. Uma das obras mais vendidas era justamente a do citado filósofo espanhol. Afinal de contas, a Colômbia, em 68, era uma espécie de caixa de ressonância das idéias revolucionárias que transitavam na Europa. Como não podia deixar de ser, Maio de 68 impactou fortemente meu país natal, especialmente no meio universitário. A rebelião das massas de Ortega formava parte do cardápio obrigatório para os que queriam ter da revolução uma idéia menos romântica do que a apregoada pelos marxistas de todos os matizes.

Mas volto ao relato da minha profissão de vendedor fracassado. Tentando sensibilizar a bibliotecária da Universidade EAFIT, em Medellín, numa tarde calorenta de Julho de 68, para que a Universidade comprasse a coleção de Museus que era a peça de ouro da editora Aguilar, ouvi a seguinte conversa entre as secretárias da biblioteca: "A Carmencita vai casar no fim do mês. Mas ainda não foi liberada pela Universidade das suas aulas, pois o Diretor do Departamento de Humanidades não conseguiu quem a substituísse". De imediato pedi à bibliotecária para que me guardasse a pesada pasta de livreiro a domicílio e me apresentei no gabinete do Diretor de Humanidades. Evidentemente, escondi a minha ocupação de vendedor que, se revelada, teria me garantido um chute no traseiro de parte dos burocratas universitários. Falei que era professor de Filosofia, formado pela prestigiosa Universidade Javeriana de Bogotá e que estava em Medellín para tentar uma vinculação como professor em algum centro de estudos superiores. O Diretor falou-me, surpreso: "Veja como são as coincidências da vida, professor. Justamente estava à procura de um docente da área de humanas, para que substituísse uma professora que vai casar no final do mês". Acertei a papelada em questão de dias e fui contratado para a vaga da professora Carmencita,  que lecionava a disciplina: "Humanismo de la Técnica". O programa que me foi apresentado partia justamente da análise da obra de Ortega, A rebelião das massas.

Na época os estudantes colombianos não queriam saber de Ortega. Achavam que o pensador espanhol era um burguês que falava para os burgueses. Mas que não explicava nada da luta de classes que se vivia em escala latino-americana e mundial. Os meus alunos reagiram mal à sugestão de leitura da obra de Ortega contida no programa. O semestre transcorreu numa briga entre a maioria dos meus alunos, influenciados pelas idéias marxistas, que achavam a obra uma excrescência da mentalidade burguesa e eu, que como professor - embora simpatizante do marxismo - devia zelar para que o programa fosse desenvolvido a contento. Resumo da ópera: a obra foi lida, mas nas provas abri espaço para que, quem dissentisse da mesma, fundamentasse os seus arrazoados numa bibliografia complementar, de autores marxistas, que lhes passei.

Jovem professor ainda dependente das idéias de Marx (1818-1883) ignorava, por esse tempo, que Ortega era profundo admirador dos doutrinários franceses, os quais considerava como autores do que de mais interessante se escreveu no século XIX. Somente viria a ler sob esse viés liberal a obra de Ortega anos depois, (em 1973-1974) quando, tendo abandonado o marxismo sob a benfazeja influência do meu orientador no mestrado em Pensamento Brasileiro da PUC-RJ, Antônio Paim, estudei as obras dos doutrinários, notadamente as de François Guizot (1787-1874), a quem Georgi Plekhanov (1856-1918), o grande estudioso russo da formação do marxismo, considerava o pai da sociologia moderna e formulador do conceito de "luta de classes" que iria inspirar a obra de crítica econômica de Marx .

A rebelião das massas parte de um dado estatístico que foi destacado por Werner Sombart:(1863-1941): as massas estão aí e ocupam todos os lugares. Esse dado tinha sido identificado antes pelos liberais doutrinários como responsável pelo clima de massificação que já, desde finais do século XVIII, era perceptível pela Europa afora, notadamente na França do período revolucionário. O fato foi registrado por Henri-Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), François Guizot  e se tornou dado central das análises do discípulo deles, Alexis de Tocqueville (1805-1859). Para este, a luta pela liberdade devia ser livrada no contexto democrático que constituiu o novo clima dos tempos.

Em relação ao dado destacado por Sombart, escreve Ortega: "Há alguns anos, o grande economista Werner Sombart destacava um dado muito simples, que é estranho não estar presente para todos que se preocupam com os assuntos contemporâneos. Esse dado tão simples é suficiente para esclarecer nossa visão da Europa atual ou, pelo menos, dar-nos a pista para toda sua compreensão. O dado é o seguinte: desde o início da história européia no século VI até o ano de 1800 - portanto, no decorrer de doze séculos-, a Europa não conseguiu ultrapassar a cifra de 180 milhões de habitantes. Pois bem: de 1800 a 1914 - ou seja, em pouco mais de um século - a população européia cresceu de 180 para 460 milhões! Creio que o contraste destas cifras não deixa nenhuma dúvida quanto aos dotes de proliferação do último século. Em três gerações, ele produziu, de maneira gigantesca, uma pasta humana que, lançada como uma torrente sobre a área histórica, a inundou. Repito que bastaria esse dado para compreender o triunfo das massas e tudo quanto ele reflete e prenuncia. Por outro lado, também deve ser somada a isso a parcela mais concreta referente ao crescimento da vida já mencionado" [ob. cit., p. 80].

E conclui a respeito Ortega: "(...) Paralelamente, esse dado mostra-nos que a admiração com que destacamos o crescimento de países novos, como os Estados Unidos da América, é infundada. Ficamos admirados com seu crescimento populacional, que em um século chegou a cem milhões de homens, quando o maravilhoso é a proliferação da Europa. Eis aqui outra razão para acabar com a ilusão de ter havido uma americanização da Europa. Nem sequer o traço que poderia parecer o mais evidente para caracterizar a América - a velocidade de crescimento de sua população - lhe é peculiar. A Europa cresceu no século passado (XIX) muito mais que a América. A América foi feita pelo que transbordou da Europa" [ob. cit., ibid.].

Vivemos, portanto, desde finais do século XVIII, tempos de massificação. Nestes, as massas são conscientes da sua força. Já não é a história o palco dos grandes heróis. As massas ocuparam o seu lugar. A respeito do protagonismo das massas, escreve Ortega: "De repente a multidão tornou-se visível, instalou-se nos lugares preferenciais da sociedade. Antes, não existia, passava desapercebida, ocupava o fundo do cenário social; agora antecipou-se às baterias, tornou-se o personagem principal. Já não há protagonistas: só há coro" [ob. cit., p. 43].

Quem integra essa tal de "massa"? - Ortega responde: "A massa é o conjunto das pessoas não especialmente qualificadas" [p. 44]. "Massa é o homem médio (...). Massa é todo aquele que não atribui a si mesmo um valor" [p. 45]. No texto a seguir, relaciona "massa" com o império da vulgaridade: "A característica do momento é que a alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impõe em toda parte. Como se diz nos Estados Unidos: ser diferente é indecente" [p. 48].

As massas se agitam quando sentem falta daquilo que consideram "de direito" ou essencial. Mas a sua agitação peca pela falta de lógica. Destroem justamente o meio que lhes garantiria adquirir o que necessitam. Nas manifestações urbanas a que assistimos a diário, vemos as massas tocando fogo nos ônibus para reclamar passagens mais baratas. Ou destruindo escolas para exigir melhor educação. Uma "contradictio in terminis", diriam os escolásticos. A respeito, escreve Ortega: "nas agitações provocadas pela escassez as massas populares costumam procurar pão, e o meio que empregam costuma ser o de destruir as padarias. Isto pode servir como símbolo do comportamento que, em proporções mais vastas e sutis, têm as massas atuais para a civilização que as alimenta" [p. 91]. Esse comportamento obtuso provém de uma tendência niilista decorrente do imediatismo que anima as massas. A respeito, Ortega frisa: "Abandonada à sua própria inclinação, a massa,qualquer que seja, plebeia ou aristocrática, tende sempre, no afã de viver, a destruir as causas de sua vida" [p. 91, nota 2].

Esse niilismo decorre do fato de a massa se sentir auto-suficiente e dona da sua vida. "O homem massa - frisa Ortega - jamais teria apelado para qualquer coisa fora dele se a circunstância não o tivesse forçado violentamente a isso. Como as circunstâncias atuais não o obrigam, o eterno homem-massa, de acordo com a sua índole, deixa de apelar e se sente senhor de sua vida" [p. 95].

terça-feira, 25 de março de 2014

GILBERTO FERREIRA PAIM (1919-2013) E A CRÍTICA LIBERAL AO PATRIMONIALISMO BRASILEIRO


Gilberto Ferreira Paim, em reunião do Conselho Técnico da CNC-RJ, 18 de Dezembro de 2005.

Gilberto Ferreira Paim nasceu em Jacobina, Estado da Bahia, em 24 de Agosto de 1919 e faleceu no Rio de Janeiro em 23 de Agosto de 2013, às vésperas, portanto, de completar 94 anos. Iniciou o Curso de Direito em Salvador – Bahia, no início da década de quarenta. Transferindo-se para o Rio de Janeiro, ainda naquela década, deu continuidade aos estudos jurídicos na Faculdade de Direito, mas não concluiu. Não havia, na época, curso de Economia. Os economistas dessa geração provinham geralmente das Escolas de Direito. Tendo despertado o interesse pela matéria, inscreveu-se, na década de cinquenta, no concurso para receber o título oferecido pelo Conselho Federal de Economia, com a tese intitulada: A dualidade básica da Economia brasileira. Esse era um tema estudado por um amigo seu, Inácio Rangel (1914-1994) que mais tarde se destacaria como economista.

Dedicou-se, basicamente, à atividade como jornalista. Pertenceu, durante muitos anos, aos quadros da Associated Press e também ao Correio da Manhã, jornal que, na época, gozava de grande prestígio.

 Desenvolveu laços de grande amizade com o parlamentar e ministro Roberto Campos (1917-2001). Juntamente com ele concebeu o Projeto Minerva, que estabeleceu uma parceria com a Universidade George Washington, para oferecer cursos destinados a funcionários brasileiros da área de finanças. Dedicou-se, também, ao Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, no Rio de Janeiro, e durante largo período foi o editor da muito prestigiada revista denominada Carta Mensal, órgão do Conselho Técnico da CNC.

Gilberto Paim era irmão de outros dois grandes vultos da intelectualidade brasileira: o médico Isaías Paim (1909-2004), um dos fundadores da psiquiatria no Brasil e o filósofo e historiador das ideias Antônio Paim (1927-), membro também, como fora Gilberto, do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio.

Conheci Gilberto Paim quando do meu ingresso no CNC, em 1993. Já sabia dele pelo seu irmão, Antônio, meu amigo de décadas atrás. A impressão que, desde o início, me passou Gilberto foi a de que era um gentleman, no sentido cultural do termo, ou seja, alguém possuidor de nobreza de espírito, um patriota que defendia os interesses da Nação brasileira, tendo a defesa da liberdade e da tolerância como notas distintivas do seu comportamento. Era movido a brasilidade.

Poucos anos após a minha entrada no Conselho Técnico, recebi do Gilberto uma correspondência em que sintetizava, item por item, as conferências que eu tinha pronunciado no Conselho, em que pese o fato de ser um dos mais jovens membros desse colegiado, sem possuir, evidentemente, os atributos de cultura dos outros conselheiros. Na sua correspondência, Gilberto me animava para continuar com a labuta de pesquisa das coisas brasileiras. Interpretei o seu gesto como pura generosidade de sua parte e como um sinalizador, vindo de quem conhecia em profundidade o Brasil, para continuar com um trabalho de pesquisa, que, na área da filosofia e da história da cultura, estava sendo seriamente combatido pela burocracia da Capes. Efetivamente, a mencionada agência do MEC tinha aberto a artilharia contra os cursos de pós-graduação em Pensamento Brasileiro, sob a batuta dos discípulos do padre Henrique Claudio de Lima Vaz, encastelados na Comissão de avaliação dos Cursos de Pós-graduação.

Deixo aqui a minha nota de admiração e de saudade por essa figura ímpar que foi Gilberto Paim, com quem felizmente estabeleci uma duradoura amizade que em muito enriqueceu a minha vida de pesquisador da cultura brasileira.

A obra de Gilberto Paim é ampla e abarca vários aspectos da história econômica brasileira. Neste artigo, me debruçarei sobre dois pontos que, a meu ver, são essenciais no seu pensamento: em primeiro lugar, a avaliação do momento pombalino e, em segundo lugar, a análise das influências desse momento no século XX, no monopólio da Petrobrás e na reserva de mercado da informática.

I - Avaliação do momento pombalino

Uma das contribuições mais importantes de Gilberto Paim consistiu na equilibrada avaliação do momento pombalino. Os pontos básicos dessa avaliação encontram-se na obra intitulada: De Pombal à abertura dos portos. [1]

Sebastião José de Carvalho e Mello, marquês de Pombal (1699-1782), não há dúvidas, foi uma figura controversa. Essa ambiguidade decorre do caráter modernizador de que se revestiu a sua obra. Decidiu tirar Portugal das sombras da Idade Média. E dividiu as opiniões.

Eis a caracterização que Gilberto Paim faz dessa circunstância: “O passar do tempo deu uma dimensão monumental ao marquês, cuja figura mítica é acompanhada por um fervoroso cortejo de aderentes e simultaneamente combatida por uma ativa agremiação de adversários. A força da personalidade política pombalina se revela no calor que os portugueses põem no debate em torno de seu nome, deixando a segura impressão de que o ministro continua entre os vivos com sua filosofia, sua ideologia e seu programa expansionista e nacionalizante. Do terceiro quartel do século XVIII aos nossos dias teria permanecido incólume, no imaginário popular, o ambicioso espírito reformista com que Carvalho e Mello marcou a sua presença na história. Diante de seu dinamismo à frente de um governo que agiu com absolutismo ferrenho, a neutralidade é de todo improvável. O objetivo de Pombal era superar os obstáculos que se antepunham à instauração do Estado moderno. Com sua marcha inflexível nessa direção, ele sacudiu a vida nacional de cima abaixo. E ao empenhar-se a fundo na tarefa de retirar Portugal das teias da Idade Média, para coloca-lo no limiar da sociedade industrial, que começava a organizar-se, o primeiro ministro de D. José I (1714-1777) demonstrou uma capacidade administrativa hercúlea. Suscitou paixões e provocou a divisão da sociedade lusa em dois campos: pró-marquês ou contra ele”.[2]

Destacarei, a seguir, oito itens que, a meu ver, sintetizam a completa análise feita sobre a obra do marquês por Gilberto Paim. Esses itens são os seguintes: 1 – Avaliação positiva de Pombal pelos historiadores brasileiros e negativa, em geral, por parte dos historiadores portugueses. 2 – Nacionalismo pombalino. 3 – Novos métodos administrativos. 4 – Mercantilismo dirigido. 5 – Produção dirigida. 6 – Monopólio da burocracia. 7 – Reserva de mercado. 8 – Crítica liberal de Gilberto Paim ao pombalismo.

1 – Avaliação positiva de Pombal pelos historiadores brasileiros e negativa, em geral, por parte dos historiadores portugueses.

No imaginário intelectual brasileiro, são escassas as críticas ao Pombal modernizador. A maior parte dos nossos historiadores, considera Gilberto Paim, defende a feição reformista do marquês, em decorrência do fato de que essa posição em muito favoreceu a nossa independência de Portugal, ao permitir a formação de uma elite ilustrada pela ciência moderna. Tivéssemos ficado sob as asas tutoriais dos Jesuítas, certamente jamais teria acontecido a nossa independência de Portugal.

A respeito da posição benévola dos historiadores brasileiros em face do marquês reformista, frisa Gilberto Paim: “Não há convergência de opiniões entre os historiadores portugueses e brasileiros. Em Portugal as correntes que denunciam o absolutismo pombalino, às vezes superam as que lhe são favoráveis. Deste lado do Atlântico não se reproduz o mesmo quadro. Nossos historiadores assumem postura diversa. São aqui encontradiços os elogios e escassas, as críticas. Modela a atitude dos brasileiros um sentimento de gratidão que emana do reconhecimento de que Pombal foi um defensor vigoroso da dilatação contínua das nossas fronteiras. Tornou-se ele um apóstolo do Tratado de Madri, de 1750, o qual, tomando o lugar do obsoleto Tratado de Tordesilhas, de 1494, praticamente eliminou os obstáculos legais à nossa expansão para o Norte e o Ocidente. O território que viria a ser o Rio Grande do Sul era um deserto, ocupado pelos portugueses a partir do decênio de 50. O Tratado de Madri foi obra do acaso. A ascensão de Maria Bárbara de Bragança, filha de D. João V (1699-1750), ao trono da Espanha, deu vida à cartografia elaborada por influência do santista Alexandre de Gusmão (1695-1753), secretário particular do rei durante vinte anos, de 1730 a 1750. A rainha espanhola, de sangue português, usou o poder do trono para tornar possível o reconhecimento espanhol das cartas geográficas com a configuração do Brasil atual. Sabia-se que Maria Bárbara, mulher culta, poliglota, compositora de sonatas, era uma personalidade bastante forte para dominar o frágil D. Fernando VI (1713-1759), seu marido. Por sua influência a Espanha admitia o abandono (temporário) do Tratado de Tordesilhas e os portugueses se apossavam em definitivo da região amazônica, até os limites meridionais do Mato Grosso do Sul. Mas é bom lembrar que esse Tratado foi substituído pelo de El Pardo, de 1761, pretendendo restaurar a situação anterior, o que não impediu Pombal de continuar empenhado em dar ao Brasil uma configuração territorial quase igual à que o País tem na atualidade. A Amazônia Brasileira, incluindo em sua vastidão a área do antigo Mato Groso, representa um dos frutos da tenacidade e da visão de longo alcance de Pombal no aproveitamento de oportunidades internacionais e na competência de sua ação diplomática”. [3]

O projeto modernizador de Pombal nasceu da influência que sobre ele exerceram os ideais do iluminismo, bem como o conhecimento do élan modernizante sofrido pela Inglaterra, país que ele conheceu de perto durante os anos em que foi representante diplomático da Monarquia portuguesa. A respeito deste ponto, escreve Gilberto Paim: “Não há historiador ou biógrafo de Pombal que deixe de ressaltar a influência que teve sobre a sua formação espiritual o período que o ministro viveu no exterior. O progresso e os sinais de mudança social que presenciara lá fora fizeram-no decidir-se pela eliminação da  monarquia gótica, representativa do atraso medieval, para em seu lugar erguer a monarquia moderna. Mas o seu esforço pró-modernização não chegou a afetar o absolutismo, o qual serviu de leito aos seus métodos administrativos. Diz Saraiva[4] que com a intenção de modernizar, Pombal desferiu golpes cruéis sobre todos os beneficiários dos privilégios em que se apoiava a antiga monarquia. E quando saíram do cárcere, suas vítimas tentaram restabelecer o antigo estado de coisas, lançando a primeira vaga de antipombalismo; para eles, o ministro não podia ser mais do que o tirano sanguinário, o seu consulado fora uma longa noite a sua obra um desvio na piedosa e legítima tradição portuguesa e, como tal, uma mancha ominosa na história do país. Os defensores da tradição, frisa o historiador, continuam hoje, na sequência dessa linha, a ser antipombalinos”. [5]

Embora Pombal tivesse sido perseguido pela sucessora de Dom José I, Dona Maria I (1734-1816), a Louca, completamente dominada pelos padres e pela antiga nobreza, o velho marquês terminou sendo perdoado dos crimes de que o acusavam os seus inimigos. Doente e idoso, Pombal retirou-se completamente da vida pública, vindo a falecer no seu palácio aos 83 anos de idade. Anos depois, na esteira liberal que se levantou em Portugal, a figura do marquês terminou sendo revalorizada.

A respeito deste ponto, escreve Gilberto Paim: “Apresentando as razões do estilo de administração que regeu o governo na era pombalina, José Hermano Saraiva opina que o despotismo era a fórmula política imperante no tempo em que Carvalho e Mello cresceu e estudou, e foi essa a fórmula que procurou realizar. Toda a sua obra, conforme o historiador, teve por objetivo consagrar a autoridade do Estado, e não a liberdade dos súditos (....). A política de formação das bases empresariais e capitalistas, que ele reputava essenciais ao progresso econômico, teve por efeito a prosperidade do período posterior. Segundo esse autor, a reforma do ensino superior foi feita em harmonia com aquilo que então representava o espírito do progresso. Isso quer significar que o atraso do seiscentismo foi em grande parte vencido nos 27 anos de governo pombalino”. [6]

Os historiadores brasileiros, a começar pelo visconde de Porto Seguro, Francisco Adolfo Varnhagen (1816-1878), fazem uma avaliação positiva do ciclo pombalino. Sem o marquês não teria sido preservada a nossa extensão continental. Sem ele não teria se formado a geração que fez a Independência. Notadamente em relação à preservação da vasta extensão territorial arrancada ao Império espanhol mediante as hábeis negociações de Pombal e com a utilização da força armada para defender as fronteiras, frisa Gilberto Paim: “O emprego da força das armas e da autoridade máxima do Estado serviu de instrumento para impor aos espanhóis a legitimação do nosso movimento expansionista. Os limites de Tordesilhas ficaram muito para trás. Esse tratado nos concedia a faixa de terra dentro de uma linha reta ligando Belém a Laguna. Toda a imensa extensão restante foi alvo da conquista de brasileiros e lusitanos em sua penetração no território nos séculos XVII e XVIII, em busca de ouro e pedras preciosas. Pombal manteve-se suficientemente atento para dar cobertura militar a esses movimentos, mandando construir um sistema de fortificações situadas em pontos extremos. Vem, pois, de longa data, a tradição que faz com que os brasileiros encarem o estadista de modo uniformemente simpático”.

2 – Nacionalismo pombalino.

Um dos traços que mais marcaram a passagem de Pombal pelo governo foi a sua decidida visão de estadista: tudo fez com o intuito de modernizar Portugal e de traçar políticas condizentes com essa nova visão. A sua vida política reduziu-se a isso: colocar o seu país no rumo da modernidade.

A respeito, escreve Gilberto Paim: “Essa linha política de afirmação nacional distinguirá o reinado de D. José, em cujo curso Carvalho e Mello será um ministro enérgico, de excepcional capacidade de trabalho e sempre pronto a tomar decisões fulminantes. Pode-se afirmar, sem receio de erro, que a sua postura nacionalista responde em grande parte pelo prestígio de seu nome junto às gerações futuras. A atividade governamental ganha impulso e a presença de um ministro destemido provoca imediata reação da nobreza, cujos movimentos contra Sebastião José logo são percebidos. Assinala o diplomata e historiador Teixeira Soares[7], seu biógrafo entusiasta, que Carvalho e Mello trouxera ideias novas da sua permanência no estrangeiro. Observara muito e muito aprendera em contato com ingleses e austríacos. No exterior, frequenta diferentes meios sociais, trazendo de volta um lastro de experiência política e diplomática utilíssima para o entendimento dos assuntos administrativos, políticos, econômicos e diplomáticos do reino”.[8]

3 – Novos métodos administrativos.

O primeiro ministro de D. José I era, fundamentalmente, um reformista dos métodos administrativos. Ao passo que a gestão dos negócios públicos sob a tradicional monarquia portuguesa obedecia à lei da estabilidade e da preservação das benesses e privilégios da nobreza e da Igreja Católica, sob Pombal a gestão das coisas públicas tomou outro rumo, que se poderia comparar ao posto em prática, na França, por Luís XIV (1638-1715). [9] Tudo era pensado em função daquilo que melhor se enquadrasse no esforço modernizador do Estado. O norte da gestão pombalina era esse. Enquanto no passado os Monarcas se preocupavam por privilégios pessoais dos Nobres ou por questões de doutrina cristã ou de privilégios para bispos e clérigos, nos tempos de D. José I toda a máquina do Estado se movia em direção a uma finalidade claramente traçada: firmar o Estado moderno em Portugal. Todos deveriam se acomodar às novas exigências dos tempos. Com o correr dos anos, vai se perfilhando no horizonte uma nova nobreza, que será formada por gentis-homens com mentalidade modernizadora, ou que será simplesmente acrescentada com a entrada de uma nova nobreza de funcionários públicos formados no Colégio dos Nobres de Lisboa, algo semelhante ao ocorrido na Rússia czarista com os denominados cargos tschin[10], nas reformas empreendidas sob a orientação de António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), o mesmo médico de origem judia que, desde Paris, orientou as reformas educacionais pombalinas.

Em relação às novas exigências administrativas do ciclo pombalino, escreve Gilberto Paim: “Ao tomar contato com as questões da administração, Carvalho e Mello avalia as deficiências e mazelas da organização econômica do país, que vivia do esbanjamento do ouro e diamantes do Brasil, enquanto a economia nacional ia à deriva. Todos os biógrafos do marquês exaltam a sua alta competência administrativa, salientando a vigorosa introdução de novos métodos de governo como uma das marcas de Sebastião José no exercício do poder. Teixeira Soares, por exemplo, não reprime o entusiasmo ao apreciar o dinamismo do seu biografado, cuja ação dinâmica logo despertou a admiração de D. José, o qual passou a ver nele um ministro realmente decidido. Isso bastava para provocar o desdém da nobreza, que o encarava como um lacaio emproado, um feitor rústico, à medida que subia o seu prestígio junto ao monarca”. [11]

A estratégia pombalina primava pela eficiência. Contra a tradicional pachorra da burocracia patrimonialista tradicional, o primeiro ministro exigia rapidez na execução das ordens. Se referindo à descrição que da ação do ministro faz o seu biógrafo Teixeira Soares, escreve Gilberto Paim: “Certa vez, relata esse biógrafo, uma frota que deveria partir para o Brasil esperou durante três meses por documentação que teria de ser providenciada pelo ministro da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte-Real. A delonga levou os interessados a recorrer a Carvalho e Mello, que em apenas quatro dias despacha a papelada e permite a partida da frota. Diante de exemplos como esse, os inimigos redobram esforços ao estenderem a rede de intrigas palacianas (...)”. [12]

5 – Produção dirigida.

O pombalismo ensejou na vida econômica o dirigismo estatal. O ideal era constituir o Estado como empresário que garantiria a subsistência da Nação. Ora, como o poder público não poderia se tornar diretamente o produtor de todos os bens, o dirigismo da produção seria, então, a saída.

A respeito, escreve Gilberto Paim: “A quase infinita sequencia de atos legislativos pombalinos marca a trajetória do reinado de D. José, transformando-o numa época de intensa atividade econômica oficial e privada. Pombal se destaca como o governante a quem nenhum antecessor ou sucessor fez ou fará sombra no mesmo cargo. Nos vinte e sete anos de sua administração, o ritmo da legislação reflete o empenho do governo em adotar as mais variadas medidas para acelerar o advento do progresso comercial e industrial. Os (atos ) legislativos de natureza econômica, antes e depois de Pombal, distinguem, com efeito, o período que lhe reserva a história. Com um estilo de governo desconhecido e ímpar na vida portuguesa, procurou ele introduzir a modernização num país onde o feudalismo dava sinais de sua presença na economia e na organização social precária e desequilibrada”. [13]

O dirigismo pombalino estendeu-se a todos os campos da produção. Nada escapava aos olhos do onipotente ministro. A respeito dessa presença tutelar que tudo centralizava no gabinete ministerial e que se alicerçava na crença de que o Estado absolutista, possuidor da ciência aplicada, era o único promotor da modernidade, frisa o nosso autor: “Esse inabalável propósito de modernizar dá a Pombal a justificação da ingerência governamental em todas as atividades. O governo supõe correta a decisão de permitir que as instituições pias da cidade do Porto emprestem dinheiro a juros às pessoas interessadas em participar do capital da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, empresa por ele criada para fazer face aos comerciantes ingleses na comercialização dos vinhos daquela região. As instituições pias precisavam, portanto, de um habeas corpus para aplicar em empréstimos os seus recursos financeiros. Por outro lado, como essa empresa representa o interesse comum da nação, somente os comissários da Companhia podem comprar vinhos a granel, o que, evidenciando uma situação monopolista, deixa entrever o cunho autoritário que se pretendia dar ao desenvolvimento econômico. A instalação de uma fábrica de cal é permitida a um cidadão inglês por decisão especial do poder público, significando isso que, para se instalar uma indústria, tornava-se indispensável a autorização oficial. Os pomares da Ribeira de Barbarena podiam ter uma função social e econômica importante, produzindo frutas e hortigranjeiros e dando ocupação a muita gente, mas o governo resolve proibir a sua irrigação em favor do uso das águas na Fábrica de Pólvora, pertencente ao Estado”.[14]

6 – Monopólio da burocracia.

A consequência natural de todo esse dirigismo estatal da economia é o monopólio que, em Portugal, no ciclo pombalino, passou a ter a burocracia, com todos os descaminhos de favoritismo e corrupção que essa condição traz consigo. Se o exclusivo promotor da modernidade em matéria econômica é o Estado, o seu estamento burocrático tem, portanto, a primazia na atribuição das incumbências da produção e na distribuição dos benefícios do processo produtivo. Os amigos do rei são mais poderosos do que o resto.

Em relação a este ponto, escreve Gilberto Paim: “As providências descritas demonstram que a máquina burocrática foi transformada em celeiro de monopólios a julgar pelos inúmeros alvarás e decretos que asseguram a exclusividade da produção e comercialização de vários produtos a certas pessoas. Mas não há dúvida de que a ação oficial assume caráter de abuso de poder quando o governo decide impor a aceitação das apólices das Companhias Reais como bens sólidos para girarem como dinheiro líquido. Essa e muitas outras violações das leis do mercado poderiam ser tomadas como prenúncio de escassos resultados, a longo prazo, do esforço de industrialização empreendido pelo governo pombalino; os seus atos provam que o poder público estava preocupado em tratar de todos os assuntos, como indica um alvará segundo o qual não podem executar obras, na edificação de Lisboa, pedreiros, carpinteiros, canteiros e moldureiros que não tenham cursado  a Aula de Desenho e Fábrica de Estuque, por sinal gerida pela Real Fábrica de Sedas, que está no rol das empresas governamentais”.[15]

A herança do dirigismo pombalino seria longa na história brasileira. Os seus traços se estendem até hoje. Tal proposta se alicerça na ingênua crença de que quem melhor traduz os interesses dos cidadãos é a burocracia governamental que se sobrepõe a eles. Jamais os indivíduos conseguirão traduzir, de forma legítima, os seus interesses. Só o Estado e, no seio dele, o Monarca e o seu primeiro ministro, têm luzes para tanto.

A respeito deste ponto, frisa Gilberto Paim: “A ideia de onipotência que inspira o governo pombalino, ao influir na geração e distribuição de riquezas, parece estar bem expressa na concessão de privilégios de exclusividade na fabricação e comercialização de certos bens. São vários os atos que conferem a empresas esses privilégios. Recordemos que, no Brasil, até a segunda metade do século XX, a exportação de açúcar e do álcool era exclusiva do respectivo instituto; a importação de barrilha e soda cáustica só podia ser feita pela Companhia Nacional de Álcalis; a importação de borracha era regulada pela Superintendência da Borracha. E até 1992, a mão do Estado pesava sobre as atividades da eletrônica digital. No inconsciente do administrador público brasileiro parece estar legitimada por uma tradição secular a intervenção governamental no setor econômico. Encontra o intervencionismo a sua principal justificativa numa preocupação superior do governante com o bem-estar dos seus concidadãos (na época pombalina eram os vassalos ou súditos). Naturalmente que, a partir do exame da copiosa legislação econômica pombalina, muitos brasileiros devem pensar nas razões de ordem histórica que determinam a facilidade com que são criadas aqui empresas governamentais”. [16]

O monopólio exercido pela burocracia estatal manifestou-se, de forma clara, na Companhia Geral de Grão-Pará e Maranhão, criada por Pombal em junho de 1755, com a finalidade de exercer o monopólio do comércio e da navegação entre a metrópole e a parte norte do Brasil. O objetivo imediato da Companhia era a compra de escravos nas costas da África, com a finalidade de transportá-los às capitanias do Pará e do Maranhão.

Esse comércio, frisa Gilberto Paim, “(...) era desenvolvido à base de monopólio no transporte e venda das mercadorias que serviam de base para a aquisição dos escravos. Abrangia a áreas de atuação monopolista da empresa as ilhas de Madeira, Cabo Verde e Açores, cujos produtos exportáveis somente podiam ser comprados e transportados pela Companhia. A voracidade do monopólio chega ao ponto de ficar decidido pelo primeiro-ministro a entrega, à Companhia, por vinte anos, dos governos político e militar das ilhas de Cabo Verde, suas anexas, e Costa da Guiné. Desse modo, foram conferidos poderes à empresa para indicar as autoridades civis e militares das referidas áreas, cujos nomes eram por ela selecionados e entregues ao governo para os decretos de nomeação. À empresa foi concedido também o privilégio de isenção de direitos alfandegários nos portos de Portugal (...)”. [17]

Um dos objetivos secundários para a criação da Companhia de Grão-Pará e Maranhão consistia em impedir que os comerciantes das duas maiores praças portuguesas, Lisboa e Porto, tivessem liberdade suficiente para impor condições à Coroa. A respeito, escreve o nosso autor: “Havia, entretanto, alguma coisa de errado na organização da empresa, a qual foi fundada para exercer o monopólio do comércio e da navegação entre a metrópole e a parte setentrional da colônia. A ação monopolista desalojaria do comércio marítimo os negociantes de Lisboa e do Porto, os quais veicularam sucessivos protestos contra esse alijamento. A reação pombalina contra esses protestos foi fulminante: os sete membros dirigentes da associação comercial lisboeta, que assinaram um memorial ao governo, considerando nocivo o monopólio, foram condenados ao desterro. Ficou, assim, demonstrado o absolutismo do poder com a expedição das sentenças contra as vítimas; os comerciantes das duas praças cessaram a resistência e silenciaram”. [18]

O resultado do comércio monopolista praticado pela burocracia pombalina foi positivo, do ângulo estratégico, para preservar os limites das duas colônias setentrionais. Tanta foi a importância dada pelo marquês a esse objetivo que, além da política de construção de fortes, nomeou o seu irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1769), governador do Grão-Pará e comandante militar das duas capitanias, tendo nomeado também o seu sobrinho, Joaquim de Melo e Póvoas, governador das capitanias do Maranhão e Piauí, cargo desempenhado por este entre 1775 e 1779.[19]

Mas se o resultado do comércio monopolista revelou-se positivo para os planos estratégicos do marquês, não foi, contudo, favorável aos interesses dos agentes econômicos independentes e dos próprios súditos nas duas Capitanias, bem como nas ilhas onde funcionava a Companhia. Eis o testemunho dado pelo nosso autor, com fundamento nas pesquisas do historiador português António Carreira:

“Em conformidade com a tendência irreprimível dos monopólios para a prática de arbitrariedades, detecta-se esse mal incurável no comportamento da Companhia, tanto em Cabo Verde como na Guiné. Tudo o que a empresa faz contraria os interesses de longo prazo das áreas onde ela opera. Os agentes da Companhia estão sempre prontos a abusar de seus privilégios. A prova evidente do espírito ganancioso da empresa ou dos seus agentes está no fato de, depois de seis anos de sua instalação em Cabo Verde, haver absorvido todo o grande e pequeno comércio, inclusive os estabelecimentos mais insignificantes, diz o citado autor. Reproduz António Carreira trecho de um relatório do Ouvidor Geral, datado de abril de 1761, no qual se declara que a Companhia, além de exercer o monopólio na compra de carneiros, porcos, cabras e demais víveres chamou a si a venda dessas carnes, estendendo essa exclusividade à venda de galinhas, abóboras, laranjas e demais frutas da terra (Cabo Verde). Queixam-se os habitantes do arquipélago, de que a empresa compra esses produtos a preços baixos para revendê-los aos estrangeiros a preços excessivos. Por essa via marchava a decadência econômica das ilhas”. [20]

7 – Reserva de mercado.

O problema fundamental de pensar a economia num contexto mercantilista como o pombalino consiste em que ela é concebida como processo de “soma zero”. Se alguém ganha é porque surrupiou de outrem. A riqueza, nesse contexto, é amaldiçoada. As coisas pioraram sensivelmente no contexto da cultura contra-reformista imperante na Península Ibérica. O lucro simplesmente era considerado pecado. Como fazer, então, para produzir a riqueza?

Antônio Paim mostrou que o pensamento pombalino elaborou um arrazoado original para superar esse impasse: o Estado empresário era o encarregado de produzi-la e de distribuí-la entre os súditos do Monarca português. Nisso consistia a famosa “aritmética política” que o marquês apresentou a D. José I.[21] Dentro desse contexto, ficava superada a questão do caráter pecaminoso da riqueza e do lucro. Se tudo ficasse nas mãos do Estado, não haveria problema. Ele não sujaria as mãos, pois não se confundia com o egoísmo dos indivíduos e estaria gerido em função do bem de todos. Tratava-se de uma espécie de rousseaunianismo. Lembremos que para o pensador genebrino o Legislador e os seus colaboradores, “os puros”, encarregar-se-iam de moralizar a sociedade mediante a busca do bem público, esquecida como imoral a defesa dos interesses individuais dos cidadãos. [22]

A primeira consequência desse estatismo, no contexto da estrutura patrimonial do Estado português, foi o dirigismo da produção e o afunilamento do lucro por parte da elite burocrática. Os restantes membros da sociedade “ficavam a ver navios”. Para progredir era necessário se juntar à empresa do Rei.

É esta a circunstância que o nosso autor descreve no seguinte trecho: “Coube ao governo pombalino extinguir a escravatura em Portugal, muito embora as suas companhias de comércio e navegação procurassem tirar o máximo proveito da compra de escravos, em portos africanos, para a sua venda no Brasil. Em setembro de 1761, um alvará com força de lei proibiu a introdução de escravos no reino declarando forros e livres todos aqueles que viessem a ser desembarcados em portos lusitanos. Não obstante todo o esforço que representa o pano de fundo dessa legislação, Pombal foi além, pois queria reformar os costumes. Essa intenção reformista produziu numerosos atos do ministro. Um exemplo dessa preocupação foi o combate ao contrabando em navios da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, embora fosse difícil contê-lo, pois era realizado pelos próprios funcionários da empresa. Em julho de 1758, um alvará com força de lei proíbe os empregados da Companhia de Comércio o exercício de qualquer atividade comercial particular. No tocante à Companhia das Vinhas do Alto Douro, o governo adotou medidas severas contra os que desviarem dinheiro da Companhia para fins particulares e contra os que praticavam outros atos, inclusive a mistura de vinhos com o objetivo de ganhos ilícitos. Infelizmente, os empregados dessa empresa sempre encontravam meios de burlar as providências moralizadoras”. [23]

Citando pesquisa desenvolvida pela historiadora Susan Schneider [24], o nosso autor relata um episódio que ilustra a “razão louca” do espírito monopolista pombalino. A fim de garantir o domínio completo da indústria criada pelo ministro no ramo da pesca, o marquês terminou trazendo maiores problemas para a economia portuguesa. O espírito monopolista significou um tiro no pé de quem pretendia tudo modernizar a partir do Estado empresário.

Eis a narrativa do fato: “(...) Pombal, repetindo decisões anteriores, criou monopólio de monopólios dentro do monopólio. Para que a Companhia de Pesca pudesse conservar o peixe, foi-lhe concedido o monopólio de todo o sal do Algarve. Além disso, para lhe garantir um mercado para venda das sardinhas e do atum, o primeiro ministro proibiu a importação de peixe espanhol no norte de Portugal e ordenou a destruição de todas as instalações de pesca, no Rio Douro, alegando que as áreas de pesca nesse rio obstruíam a passagem de barcos que transportavam vinho. Finalmente Pombal proibiu os habitantes do Porto de importar peixe de qualquer parte, com exceção do Algarve. Os espanhóis haviam baseado a indústria de pesca na aldeia praiana de Monte Gordo, enquanto Pombal escolheu outro local para instalar a sua empresa: Vila Real de Santo Antônio, no canto sudeste do território português. Como não havia casas em Vila Real, foi preciso ali construir uma cidade inteiramente nova. A iniciativa fracassou, porque os pescadores se recusaram a mudar de Monte Gordo para Vila Real. Conta Susan Schneider que, para obriga-los a essa mudança, Pombal mandou incendiar e arrasar Monte Gordo, ordem que foi cumprida pela tropa, porém os pescadores se mantiveram em sua recusa e fugiram para a Espanha. Na luta com a falta de braços para salgar o peixe e tripular os barcos, a Companhia pesqueira fracassou. Quem pagou pelo capricho do primeiro-ministro foi a Companhia do Alto Douro, que havia assumido a responsabilidade pela maior parte do investimento no Algarve, perdendo tudo o que investira na construção de seis grandes armazéns na praia, seis grandes barcos de pesca e grandes quantidades de madeira, mandadas para o Algarve para ajudar na construção de Vila Real de Santo Antônio. No final da década de 1770, a Vila era uma localidade fantasma, inteiramente despovoada”. [25]

8 – Crítica liberal de Gilberto Paim ao pombalismo.

Embora o nosso autor reconheça a importância das reformas pombalinas no que tange à modernização do Estado português e às variáveis ligadas à independência brasileira, ele destaca, em alto e bom som, as limitações de tal projeto modernizador. A essência da crítica de Gilberto Paim ao pombalismo consiste na identificação de tal processo como uma política antiliberal. Em decorrência do fato de o Estado ter-se mantido, sob Pombal, num contexto absolutista, embora iluminado pela ciência aplicada, fez com que o monopólio econômico sofresse de um grave defeito: agia contra os interesses da sociedade, tanto em Portugal, quanto no Brasil e nas colônias africanas.

A respeito dessa crítica, frisa o nosso autor, se alicerçando nas pesquisas feitas pelo historiador português António Carreira, autor da conhecida obra intitulada: As Companhias Pombalinas [26]: “Em conformidade com a tendência irreprimível dos monopólios para a prática de arbitrariedades, detecta-se esse mal incurável no comportamento da Companhia (do Grão Pará e do Maranhão), tanto em Cabo Verde como na Guiné. Tudo o que a empresa faz contraria os interesses de longo prazo das áreas onde ela opera. Os agentes da Companhia estão sempre prontos a abusar de seus privilégios. A prova evidente do espírito ganancioso da empresa ou dos seus agentes está no fato de, depois de seis anos de sua instalação em Cabo Verde, haver absorvido todo o grande e pequeno comércio, inclusive os estabelecimentos mais insignificantes, diz o citado autor. Reproduz António Carreira trecho de um relatório do Ouvidor Geral, datado de abril de 1761, no qual se declara que a Companhia além de exercer o monopólio na compra de carneiros, porcos, cabras e demais víveres chamou a si a venda dessas carnes, estendendo essa exclusividade à venda de galinhas, abóboras, laranjas e demais frutas da terra (Cabo Verde). Queixam-se os habitantes do arquipélago, de que a empresa compra esses produtos a preços baixos para revendê-los aos estrangeiros a preços excessivos. Por essa via marchava a decadência econômica das ilhas”. [27]

O espírito de exploração colonial que animava à Companhia e aos demais empreendimentos econômicos de Pombal leva o nosso autor a comparar os monopólios a verdadeiros cupinzeiros. Estas são as suas palavras a respeito: “É próprio do monopólio dar a aparência de solidez inabalável. A Companhia era um caso desse gênero. Exercia poderes imensos, inclusive o de vida e morte sobre criaturas humanas, mas em seus porões os cupins se articulavam para causar estragos irreparáveis em suas escoras de madeira. Da corrosão interna, que algum dia levará a desmoronamentos, nenhum monopólio se livra. Os cupinzeiros vinham se espalhando dentro de sua estrutura, e nada podia fazer a Junta de Administração, além de comprovar perdas e desvios, sobrepreços e parcerias em benefício de seus funcionários, sócios praticamente declarados da grande empresa. (...) Praticando um monopólio escorchante contra o qual de nada valiam os protestos dos consumidores de produtos do reino, entregues eles à própria sorte, a Companhia causou inúmeros transtornos às praças brasileiras que deviam ser por ela abastecidas. Constantemente,  registrava-se a falta de gêneros alimentícios, tais como bacalhau e trigo, assim como de tecidos e ferragens, além de vinho, azeite, sal e outros itens essenciais. Os preços, em consequência da escassez periódica ou constante, puniam injustamente os consumidores, impossibilitados de se abastecerem em outras fontes”. [28]

Embora a Companhia do Grão Pará e Maranhão tivesse passado a sofrer a concorrência sob o reinado de Dona Maria I, no entanto continuou funcionando, tendo sido extinta apenas no século XX. A respeito, escreve Gilberto Paim: “Com a ascensão de Dona Maria I ao trono, foi declarado extinto o privilégio de exclusividade concedido à Companhia para negociar nas duas capitanias. A empresa, a partir de janeiro de 1778, passou a enfrentar a concorrência de outros fornecedores e compradores. De acordo com a lei que a havia criado, em 1755, ela desapareceria vinte anos depois do início de operações, o que deveria ocorrer no citado ano. Mas a Companhia prosseguiu realizando operações até 1788, porém sua extinção somente se daria em 1914. As empresas estatais pombalinas, fonte de inspiração da estatização brasileira, tinham fôlego de sete gatos, como nos deu exemplo a Companhia do Grão Pará e Maranhão”.[29]

Idêntico perfil estatizante tiveram também outros empreendimentos modernizadores de Pombal, como a Companhia Vinícola, que foi criada em 1756, com a finalidade de racionalizar a produção de vinhos no Alto Douro e estimular, assim, o desenvolvimento da agricultura. Do empreendimento passou a cuidar pessoalmente o marquês, com a ajuda de Frei João de Mansilha (1711-1780), que já tinha colaborado com ele quando da sua passagem pela embaixada de Portugal em Londres (1738-1743).

Em decorrência da dinâmica patrimonialista de favorecer amigos e lascar inimigos, a Companhia Vinícola terminou ensejando um perverso monopólio, que afetou negativamente a vida dos viticultores da região do Rio Douro. A respeito do descontentamento ensejado pela Companhia Vinícola, escreve Gilberto Paim: “No seu primeiro ano de existência, a Companhia enfrentou uma revolta popular que resultou de sua decisão de limitar drasticamente o número de tavernas na cidade do Porto e arredores, onde se podia vender vinho a retalho. Era realmente inacreditável a tendência do marquês para invadir o setor privado e conceder o privilégio da exploração econômica a empresas ou grupos. Estava previsto nos objetivos definidos nos seus estatutos que a Companhia limitaria o número de tavernas na cidade e redondezas, o que significava o fechamento de 90% das tavernas existentes, estimadas em 600. As pessoas que se dedicavam a esse ramo de atividade estavam condenadas a perder o seu meio de vida, assumindo o prejuízo coletivo proporções consideráveis”. [30] Efeito imediato desta política absolutista: “Generalizou-se o descontentamento. Toda a população portuense sentiu-se afetada pela política introduzida por meios absolutistas. A consequência foi a revolta popular que explodiu no Porto a 23 de fevereiro de 1757 (...)”. [31]

A repressão do primeiro ministro contra os revoltosos foi brutal. “Partidário de um poder estatal forte, – frisa o nosso autor – Pombal não podia transigir com a contestação às ordens reais por parte da plebe e muito menos com a abolição unilateral e violenta de um instituto que lhe era particularmente caro. A Companhia (...) era a pedra fundamental da política econômica concebida pelo primeiro-ministro como condição e alavanca do progresso nacional. Em consequência as penas aplicadas aos amotinados foram severas. Dos suspeitos de participação na revolta, 26 foram condenados à morte, inclusive 5 mulheres; 142 castigados com penas que iam desde açoites, condenação às galés e confisco de metade dos bens até a obrigatoriedade de assistir ao suplício dos sentenciados; 63 condenados a seis meses de prisão, 195 mandados soltar em regiões distantes, e apenas 36 absolvidos”. [32]

Parecer do Conselho Ultramarino de 1778 reconhecia a má gestão da Companhia criada por Pombal, nos seguintes termos: “São conhecidos os descaminhos, as extorsões e as violências praticadas pela regência da Companhia do Alto Douro, e não menos os justos clamores dos povos vexados, e oprimidos, debaixo do jugo de sua dominação”. [33] Apesar desse parecer do órgão do Estado português encarregado de supervisionar as empresas estatais, Dona Maria I conservou ativa a Companhia.

Gilberto Paim conclui que se torna clara aqui a dinâmica do patrimonialismo português: manter as empresas estatais, mesmo que deem prejuízo à sociedade; o importante é satisfazer os anseios da burocracia. A respeito, escreve o nosso autor: “O que merece especial destaque, nesse parecer do poderoso Conselho Ultramarino, é o empenho que o Estado faz para defender os seus feitos, justificando sempre a criação de suas empresas. A burocracia tem meios de conservação de privilégios e sabe empregar argúcia e habilidade para mantê-los, quando o clamor popular reclama a sua extinção. Esse empenho torna-se perceptível nos méritos que o Conselho decide atribuir à Companhia, embora pareçam predominar os seus aspectos negativos”. [34]

O nosso autor lança um olhar mais vasto sobre o fenômeno das Companhias de Pombal, colocando-as no contexto da consolidação do Estado-empresário em Portugal, fenômeno que aparece já em meados do século XVII, antes, portanto, do consulado pombalino.

Assim conclui Gilberto Paim a sua análise: “Observemos bem o seguinte: entre o lançamento da primeira empresa, no ano de 1649, e a decretação do fim das duas últimas, a Cia. do Grão-Pará e a de Pernambuco e Paraíba, em 1788, gerações sucessivas presenciaram a corrosão paulatina e o fracasso final das empresas criadas por iniciativa governamental, com finalidades que nunca foram alcançadas. Não é, pois, para ser esquecido o juízo crítico de João Lúcio de Azevedo [35], no sentido de que a gente lusa estava mais inclinada à vida aventurosa e habituada aos ganhos predatórios, do que à constância e a boa vontade em servir, que constituem a base dos empreendimentos bem-sucedidos. Esse dado cultural inextricável faz parte do legado que nos foi transmitido na era colonial e não desaparecerá com facilidade”. [36]

II – Avaliação das influências do modelo pombalino no século XX: a Petrobrás e a reserva de mercado da informática.

Com coragem incomum, somente explicável pelo seu patriotismo e por uma visão ampla da problemática do Brasil em termos de desenvolvimento, Gilberto Paim elaborou, em duas obras, a crítica à visão monopolística herdada do espírito pombalino pelas empresas públicas no Brasil contemporâneo.

Sintetizou a sua posição em torno a dois pontos essenciais: o monopólio da Petrobrás e o monopólio da informática. Referir-me-ei, nesta segunda parte, a esses dois aspectos.

1 – Crítica de Gilberto Paim ao monopólio da Petrobrás.

O nosso autor sintetizou as suas idéias a respeito da Petrobrás na obra intitulada: Petrobrás: um monopólio em fim de linha. [37] Não há dúvida acerca da importância que a Petrobrás representa para a economia nacional, segundo o pensamento de Gilberto Paim. O nosso autor reivindicava, contudo, uma atualização da empresa, para que não ficasse comodamente instalada na visão monopolística comum no segundo pós-guerra. Os tempos eram outros, certamente, na segunda metade do século XX, após os dois choques do petróleo dos anos 70, a queda do Império Soviético no final dos anos 80 e a globalização dos mercados, acelerada na transição do milênio.

Assim, o entulho monopolístico que caracterizou a empresa ao longo do passado século e que ainda é marcante, correspondeu, no sentir de Gilberto Paim, a uma “esperança frustrada”. Houve, evidentemente, toda uma geração que acreditou rigorosamente no valor da Petrobrás como monopólio. A respeito, escreve Gilberto Paim: “Os brasileiros que fizeram a campanha do petróleo é nosso tinham como certo o enriquecimento nacional após a instituição do regime de monopólio para a exploração do chamado ouro negro. Em sua pregação em favor da presença do Estado como agente único no desenvolvimento da indústria petrolífera, desde a extração do óleo bruto até a distribuição de seus derivados, os dirigentes da campanha exaltavam essa atividade como fonte de riqueza e poder.  Quem não estivesse acompanhando o movimento editorial sobre o grande tema, para se convencer de tal verdade, podia confiar na palavra de figuras civis eminentes, como Oswaldo Aranha, Juracy Magalhães, Arthur Bernardes, Euzébio Rocha, Hermes Lima e Agamenon Magalhães, entre dezenas de outros brasileiros ilustres. Eram petroleiros Osório Borba, Rafael Correia de Oliveira, Joel Silveira e Gondim da Fonseca, entre outros jornalistas de grande público. A idéia de segurança da Pátria vinha embutida na mensagem de generais de indiscutível prestígio político, como Leitão de Carvalho, Góes Monteiro, José Pessoa, Estillac Leal, Felicíssimo Cardoso e outros oficiais de alta patente, que se distinguiam como ardorosos defensores do monopólio petrolífero”. [38]

Essad Bey,[39] com a sua obra intitulada: A luta pelo petróleo, foi entronizado pelos estatocratas brasileiros como o anjo do monopólio na exploração do petróleo. A respeito, escreve Gilberto Paim: “(...) Bastaria a leitura de algumas linhas desse eficiente manual do anti-imperialismo para se adquirir a convicção de que as nações subdesenvolvidas, com subsolo rico em hidrocarbonetos, não passavam de marionetes nas mãos dos que extraiam do petróleo poder imenso e riqueza incomensurável. Tínhamos aí uma enciclopédia de intrigas, jogos de bolsa, rebeliões e revoluções forjadas, ascensão e queda de governantes, homicídios nunca esclarecidos, atos de sabotagem praticados em larga escala contra campos petrolíferos e instalações industriais do petróleo, subornos, escândalos, processos judiciais rumorosos, condenação à cadeia de influentes personalidades, caídas em desgraça, guerra de morte entre empresas”. [40]

Mas, como foi frisado, Gilberto Paim achava que, se os tempos tinham mudado desde o segundo pós-guerra até os dias atuais, era necessário revisar a concepção de monopólio estatal que foi defendida, com ardor, por intelectuais e homens de Estado. Entre os primeiros, além das personalidades mencionadas no parágrafo anterior, mas contraposto ao ponto de vista de nacionalismo estatizante que animava à maioria, ressalta a figura de Monteiro Lobato (1882-1948),[41] o primeiro brasileiro a sofrer perseguições por causa de suas críticas à visão monopolista oficial. Entre os segundos, além dos nomes de políticos citados, avulta a presença de Getúlio Vargas (1883-1954). O monopólio petroleiro começou sendo aclamado pela grande maioria. Mas, no decorrer das décadas, os benefícios do empreendimento foram sendo questionados, de forma semelhante a como tinham sido discutidos, pela opinião pública da época, os benefícios dos monopólios pombalinos, analisados no item anterior deste trabalho.

O véu caiu, os artistas rasgaram a fantasia. O que restou de tudo isso foi um empreendimento falido, sustentado pela Nação, que ainda paga o rombo que a última geração de administradores irresponsáveis deixou para todos os brasileiros. A jornalista Dora Kramer explicitou muito bem o tamanho atual do rombo e a desgraça dessa empresa de que muita gente se orgulhava há sessenta anos.

Em recente artigo, a mencionada jornalista escreveu: “Tantas o governo fez com a Petrobrás, tanto usou e abusou politicamente da empresa que acabou criando um passivo que pode se voltar contra seus interesses na campanha pela reeleição da presidente Dilma Rousseff. Demorou, mas a conta das festividades chegou. A imagem do então presidente Luiz Inácio da Silva de macacão e mãos lambuzadas de petróleo anunciando a autossuficiência do Brasil tendo ao lado a ministra das Minas e Energia, apresentada como responsável pelo êxito que não se realizou, é um contraponto constrangedor ante a realidade atual. Perda expressiva do valor de mercado, loteamento de cargos, manejo artificial de preços e negócios esquisitos como esse da compra da refinaria no Texas ao custo inicial de US$ 360 milhões para um gasto final de US$ 1,18 bilhão, são alguns dos pontos que o PT - sempre acostumado a usar a Petrobrás para atacar os adversários - será desafiado a explicar. Não espanta que a presidente Dilma, quando ministra da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, tenha avalizado a compra da refinaria, conforme revelou o Estado. Afinal, o negócio só poderia mesmo ter sido realizado com autorização do colegiado que, de acordo com a ata da reunião realizada em 3 de fevereiro de 2006, tomou a decisão por unanimidade”. [42]

Este é o lamentável desfecho do monopólio petroleiro no Brasil. Com objetividade acurada, Gilberto Paim tinha definido os males que o monopólio da Petrobrás trouxe para o país, nos seguintes termos: “(...) Não faz sentido que uma empresa internacional pague royalties e impostos, que somam de 60 a 70% do valor do óleo extraído, como ocorre em qualquer país estrangeiro onde opere, enquanto a Petrobrás paga aos Estados e Municípios um royalty equivalente a cinco por cento do valor da produção, valor por ela arbitrado e pago com atraso, sem correção monetária. Que deve preferir um governo estadual com autoridade suficiente para administrar a forma de exploração de seus recursos minerais – uma empresa estrangeira ou brasileira que lhe pague o valor acima referido, ou a Petrobrás, com seus 5%? O velho imperialismo petrolífero fez da Petrobrás sua sucessora nos Estados brasileiros onde opera, espoliando-os. (...) O mundo mudou. Só a Petrobrás supõe intocável a boa vida que leva, ao operar sem concorrentes, como sanguessuga do povo brasileiro, hoje bastante menos hipnotizado do que antes”. [43]

O nosso autor concluía assim a sua arrasadora catilinária contra o nefasto monopólio petrolífero: “(...) Alguns dirigentes da empresa já percebem que os dias do monopólio estão contados, ao se convencerem de que a burocracia extrai vantagens exclusivistas de um estatuto de valor vencido. Nos dias que correm a China Continental, com a ajuda de empresas estrangeiras, extrai mais de 4 milhões de barris diários de suas bacias sedimentares, terrestres e marítimas. Outro grande sinal de mudança está no fato de que os países ex-comunistas do Leste europeu aderem ao Fundo Monetário Internacional, ao Banco Mundial e ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio, ressuscitam a economia de mercado, restauram a propriedade privada e suplicam ao Ocidente investimentos estrangeiros, a serem aplicados particularmente nas chamadas áreas de segurança nacional. Pois a segurança está na disponibilidade interna de produtos escassos. Conservar a Petrobrás monopolista seria uma prova clínica de avançada esclerose das lideranças nacionais”. [44]

Roberto Campos, no Prefácio que escreveu para a obra de Gilberto Paim que tenho citado nestas páginas, referiu-se à esclerose das nossas lideranças nacionais em termos dinossâuricos, com estas palavras escritas em 1994: “Atrasada em quase tudo, a América Latina foi precoce na criação de monopólios estatais de petróleo. A primeira foi a Argentina, em 1922, que é também hoje a mais radical na privatização. Seguiu-se lhe o México, em 1983. A Petrossauro só foi criada em 1953. Um fato curioso é que tanto na Argentina como no Brasil os ideólogos principais do estatismo petroleiro foram generais: lá o general Mosconi e aqui, o general Horta Barbosa. Partilharam ambos duas qualidades encontradiças nos militares latino-americanos – nacionalismo raivoso e incompetência treinada. Ambos esses cidadãos viam no petróleo não uma commodity econômica e sim um misto de símbolo político e unguento religioso. Se os dinossauros biológicos foram destruídos por um meteoro cósmico, os dinossauros burocráticos entram em extinção pelo impacto de dois meteoritos e um meteoro econômico. Os meteoritos foram os dois choques do petróleo (1973 e 1979). O meteoro, que mudou o clima mundial em desfavor do estatismo, foi o colapso do socialismo, em 1989. Os meteoritos tiveram dois efeitos: deslanchar a busca de novas fontes de petróleo, flexibilizando-se para isso as restrições nacionalisteiras, e promover a conservação de energia, reforçada esta por preocupações ecológicas”. [45]

2 – Crítica de Gilberto Paim ao monopólio da informática.

Um caso típico de burrice coletiva vinculada a uma opção pelo atraso: assim se pode descrever o clima que tomou conta da alta cúpula do Estado brasileiro, quando das discussões ensejadas pelo projeto de criação da Secretaria Especial de Informática ao longo da década que vai de 1975 até 1986. Em tumultuadas deliberações que mais pareciam sessões inquisitoriais contra o progresso da tecnologia, num terreno tão sensível como a informática, o Brasil fez uma opção clara pelo atraso.

O nosso autor descreve o clima de xenofobia monopolística que se instalou no alto escalão do governo em 1975, no melhor espírito do patrimonialismo pombalino. Estas são as suas palavras a respeito: “Por mais que sejam proclamados como reflexo do interesse nacional, certos atos administrativos se acham tão distanciados da realidade que acabarão colidindo com esse interesse imaginário. Assim pode ser descrita a trajetória da política nacional de informática, oficialmente lançada em 1975, mas sem uma clara definição das linhas principais da política do setor. Essa definição não demoraria de aparecer, ganhando a marca de intolerância e intransigência, impregnada de fanatismo. Na residência de um jovem ministro do Governo Geisel reuniram-se, em 1976, algumas figuras do primeiro escalão para deliberar a respeito da intenção da IBM de produzir no país um microcomputador que fazia sucesso no mercado externo. Era o IBM-32 que acabou sendo rejeitado pela maioria dos presentes àquele encontro. Em busca de conciliação, a empresa propôs que o computador seria fabricado no Brasil apenas para a venda no mercado externo, assumindo compromisso por escrito de que nenhuma de suas unidades seria colocada no país. Nova rejeição, apesar de a proposta, se aceita, render divisas numa fase em que enfrentávamos sérios problemas de balanço de pagamentos. A IBM foi produzi-lo no Japão, onde o mini ganhou o nome de IBM-36, vendido no mercado interno japonês e no resto do mundo. Foi um tremendo sucesso de vendas. O mesmo ocorreu com a proposta da Hewlett Parker de fabricar aqui o seu HP-3000, cuja produção foi finalmente transferida para o México, a Coréia do Sul e a China Comunista. Estava consagrada a rejeição. Nenhuma das grandes empresas mundiais de informática conseguiu autorização para fabricar aqui micro ou minicomputadores. Estava firmado o grande princípio da autonomia tecnológica, a ser alcançada por meios próprios, terminantemente excluída a colaboração estrangeira. Seus iniciadores foram ministros civis. Os militares se encantaram com essa decisão e assumiram o comando da política, criando, em 1978, a Secretaria Especial de Informática, SEI, órgão caracterizado por sua intransigência na condução dos mais variados assuntos da infinita área da eletrônica”. [46]

O nosso autor engajou-se, ao lado do senador Roberto Campos, na luta em prol de superar esse espírito obscurantista. Gilberto Paim defendia claramente um ponto de vista liberal: sim à livre empresa!  Não ao protecionismo e ao obscurantismo patrimonialista! Considerava que os pontos de vista do senador, a respeito, representavam a sensatez e a modernidade, em meio à maré de ignorância que se levantava contra as liberdades econômicas. O sensato seria colocar o Brasil num nicho de mercado possível, na dura competição que se estabelecia nos quatro cantos do planeta, no terreno da informática.

A respeito, escrevia: “Como secretário-parlamentar do senador Roberto Campos, pude acompanhar de perto a luta que a clarividência do pensador brasileiro o levou a travar contra o obscurantismo. Na essência, defendia o senador a instauração de uma política de estímulo à produção de software, deixando livre a fabricação de computadores, pequenos ou grandes. Aproveitando e enriquecendo a capacidade nacional de operar no desenvolvimento de soft, abreviaríamos o tempo necessário ao domínio da parte principal da computação. O país dispunha de massa crítica de nível universitário para ocupar lugar privilegiado na produção mundial de programas de computador. Fabricar as máquinas representaria um espaço em que fabricantes brasileiros deveriam disputar com concorrentes estrangeiros os mercados interno e externo, ganhando terreno, certamente, as empresas nacionais que fossem mais ágeis na busca de associação com empresas estrangeiras de vanguarda na aplicação de tecnologias de ponta. Nos países desenvolvidos o computador já era peça obrigatória nas escolas de todos os níveis. Nos Estados Unidos até crianças nos cursos de alfabetização aprendiam a lidar com essas máquinas. No Brasil dos anos oitenta não havia computador em nenhuma escola primária ou secundária”. [47]

Gilberto Paim dedicou a obra intitulada: Computador faz política, [48] à discussão dessas questões. Recordava o nosso autor a fina ironia do senador Campos quando, comentando a recusa do governo brasileiro à entrada da indústria cibernética, assinalava os “(...) benefícios que o fechamento do mercado brasileiro trazia a várias nações, por terem um concorrente a menos. Pois a Escócia, a Irlanda, a Espanha e outras nações chegavam a subvencionar a implantação de indústrias de alta tecnologia sem se preocuparem com a origem dos capitais”.

O problema, para Gilberto Paim, não era apenas do governo brasileiro. Era também das elites pensantes. Associações profissionais, de docentes e pesquisadores, fecharam com as propostas retrógradas do governo. “O atraso é nosso!”, parecia que fosse a consigna de ordem. A respeito, escrevia: “Roberto Campos parecia uma voz solitária em meio à fanfarra do nacionalismo tecnológico. A SEI está atrasando o desenvolvimento nacional de forma criminosa, dizia ele. Mas quem abafava o seu discurso? Não eram uns poucos militares, mas, pasmem, a Associação Nacional dos Docentes em Ensino Superior, de braços dados com a União Nacional dos Escritores e a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação! Como fora criada por decreto, inconstitucional, a SEI precisava de uma lei para sancionar seus atos antediluvianos, todos formando um modelo de intransigência hitlerista. Cerca de duas centenas de entidades profissionais suplicavam ao Congresso Nacional a urgente aprovação do projeto de lei que dava amplos poderes aos coronéis que dominavam a Secretaria, agindo como verdadeiros proprietários de um feudo administrativo. Entre essas entidades, além das já supra citadas, estavam a Associação Brasileira de Imprensa, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Sociedade Brasileira de Computação, a Federação Nacional dos Engenheiros, a Coordenação Nacional dos Geólogos, a Sociedade Brasileira de Genética, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas em Ciências Sociais, a Federação Nacional dos Médicos, a Federação Nacional dos Jornalistas e muitas e muitas outras entidades altamente representativas de segmentos da sociedade. Eram inumeráveis os sindicatos de trabalhadores de todo o país que aplaudiam os atos do nacionalismo eletrônico”. [49]

Em que pese essa insensatez coletiva, anotava Gilberto Paim que “(...) O Brasil estava diante de uma campanha de porte igual à do petróleo é nosso. Durante a tramitação do projeto de lei de informática, proposição de todo obscurantista, em 1984, centenas de organizações de todo tipo fizeram chover sobre o Congresso Nacional memoriais de apoio à política retrógrada da SEI. O atraso cultural brasileiro pode também ser demonstrado com o fato de que nenhuma das entidades referidas jamais deu um balanço no rol de prejuízos que a alucinada política de informática trouxe ao país, como prova de arrependimento por ter contribuído para causá-los. Os brasileiros provocaram o atraso e, apesar de comprovado esse fato, os Estados Unidos foram muitas vezes acusados de não desejarem o progresso do Brasil na área da eletrônica digital”. [50]

Exceção gloriosa ao lado de Roberto Campos e Gilberto Paim, foi o constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1934-), o “Maneco”, carinhosamente chamado assim pelos seus discípulos da USP. O nosso autor sintetizou da seguinte forma o cerne do arrazoado jurídico de Ferreira Filho, que considerava inconstitucional a lei de informática: “Observava esse respeitado especialista (...) que, em todas as Constituições brasileiras, está consagrada a liberdade de trabalho, indústria e comércio, ou o livre exercício de qualquer espécie de atividade socialmente útil, ou, enfim, a liberdade de iniciativa. Como primeiro princípio na ordem econômica, acrescentava, a liberdade de iniciativa significa liberdade de trabalhar num determinado campo ou de se associar para trabalhar numa determinada atividade. O primado da iniciativa privada sobre a atuação econômica do Estado é um preceito constitucional (...). No entanto, dizia o constitucionalista, o projeto de lei mandado pelo Poder Executivo ao Congresso, sobre informática, procedia de uma inspiração oposta à decorrente dos princípios constitucionais apontados (...)”. [51]

O senador Roberto Campos leu o parecer do jurista Ferreira Filho, perante a Comissão mista do Congresso que examinou o projeto de lei de informática. Foi boicotado pelos próprios congressistas, que se recusavam a escutar as razões bem ponderadas de Campos. Gilberto Paim sintetizou assim a triste circunstância: “Acreditando, não obstante, que os deputados e senadores, membros da Comissão, ainda poderiam colher o benefício de algum esclarecimento com a leitura que se fizesse do parecer, o senador Campos pediu e obteve permissão para ler o documento. Foi instintiva e instantânea a resposta dos congressistas presentes: os dezesseis que votaram contra a proposição anterior, fizeram o possível para provar o seu desinteresse pela leitura feita pelo senador mato-grossense. Todos passaram a falar em voz alta, ou a produzir ruídos propositais, de costas para o orador. Alguns se movimentaram na direção dos aparelhos telefônicos, com isso tornando ostensivo o desinteresse pela leitura penosa de 48 laudas em que se exauria Roberto Campos. Ninguém quis ouvir uma frase sequer. (...). O projeto ganhou força de lei dando cobertura plena aos insensatos da SEI”. [52]

Conclusão

Gilberto Paim amargou o ostracismo da grande mídia, a que foi submetido pela Petrobrás, num episódio somente comparável ao “assassinato de reputações” [53] que a era lulopetista instalou no Brasil ou às odiosas devassas pombalinas contra os que dissentiam do primeiro ministro de Dom José I. A perseguição aos críticos da empresa patrimonialista é artimanha antiga da burocracia monopolista, na tradição cartorial luso-brasileira, largamente ilustrada nestas páginas.

Como foi destacado na primeira parte deste trabalho, Gilberto Paim nos legou uma caracterização clara e completa do modelo econômico do pombalismo, centrado no monopólio estatal. Esse modelo, certamente, foi revivido em vários momentos da nossa história econômica, servindo como núcleo inspirador das políticas públicas modernizadoras. Modernização, aliás, que, como no caso pombalino, ficou a meio caminho. Isso em virtude da característica central do processo modernizador no seio do Estado patrimonial, consistente no fato de se buscar a racionalização não até atingir uma plena implantação desta, mas apenas restrita à manutenção, pelo soberano patrimonial, das rédeas do poder.

Foi o fenômeno apontado pelo economista John Maurice Clarke (1884-1963), denominado por ele de “racionalidade administrativa variável”. [54] O Estado patrimonial se moderniza até onde não seja posta em risco a exclusiva dominação do senhor patrimonial sobre a sociedade. Uma modernização que coloque em risco o status quo do poder estabelecido não é aceita. Foi por esse motivo que Pombal aprovou a entrada das idéias de Locke (163-1704), no que dizia relação a tirar dos jesuítas o controle do ensino, não até o ponto de deixar se expandir as idéias lockeanas relativas à substituição da monarquia absoluta pela constitucional. Locke, assim, entrou pela metade no universo luso-brasileiro. A crítica a essa mutilação foi efetivada, como se sabe, pela geração dos primeiros liberais que aqui aportaram com D. João VI, entre os quais sobressaía a figura de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846).

Já no que tange às agruras sofridas pelo nosso autor em decorrência da sua crítica à tendência estatizante e monopolística, tanto no caso do petróleo quanto no relativo à informática, Gilberto Paim faz referência, em “Nota Explicativa” no início da sua obra Petrobrás: um monopólio em fim de linha, ao caso da fulminante demissão de cioso administrador público, Geraldo Nóbrega, do cargo de diretor financeiro da distribuidora de derivados da Petrobrás, que ocupou apenas durante algumas semanas.  O pecado? Ter tentado gerir o seu setor com transparência. [55]

Ora, o pecado de Gilberto consistiu em ter pensado o Brasil a partir de um ponto de vista liberal, criticando com denodo o monopólio estatal e defendendo a livre empresa e o bem-estar de todos os brasileiros, bem como as instituições que garantem o exercício da liberdade, a começar pela representação. O nosso autor queria um Brasil livre de odiosos monopólios que só faziam aumentar o tamanho do leviatã patrimonialista.

A crítica de Gilberto Paim ao monopólio petrolífero veio se somar à de Roberto de Oliveira Campos, no que tange também à criação da SEI. Ambos lutaram na penosa ação de discutir, com transparência e honestidade, as desvantagens dos monopólios, tanto o petroleiro quanto o informático.

Se de ambas as empreitadas de crítica ao estatismo Gilberto Paim e o seu amigo Roberto Campos saíram aparentemente derrotados, as suas corajosas denúncias e as lúcidas páginas que nos legaram são, hoje, roteiro de ação para as novas gerações que, nesta conturbada quadra da história brasileira, tanto nas ruas quanto na web, se organizam e se manifestam exigindo liberdade e transparência, numa República que ameaça ser engolida pela maré montante da hegemonia partidária e das práticas patrimonialistas. Permanecem as lições de cidadania e de coragem intelectual desses dois grandes brasileiros.

Bibliografia Citada

AZEVEDO João Lúcio de. Épocas de Portugal econômico - Esboços de história, Lisboa: Clássica Editora, 1988.

CARREIRA, António. As Companhias Pombalinas. Lisboa: Editorial Presença, 1982.

GUIZOT, François. Histoire de la civilisation en Europe, depuis la chute de l´Empire Romain jusqu´a la Révolution Française, 8ª edição, Paris: Didier, 1864.

KRAMER, Dora. “Feitiço invertido”. O Estado de São Paulo, 20 de Março de 2014.

MONTEIRO LOBATO, José Bento Renato. O escândalo do petróleo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.

NUSSINBAUM, Lev. A luta pelo petróleo (tradução de Charles Frankie; revisão de Monteiro Lobato); São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935.

PAIM, Antônio. A querela do estatismo – A natureza dos sistemas econômicos: o caso brasileiro. 2ª edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

PAIM, Gilberto. Computador faz política. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos Econômicos, 1985.

PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos.  Rio de Janeiro: Editorial Escrita, 2011.

PAIM, Gilberto. O filósofo do pragmatismo – Atualidade de Roberto Campos. (Prefácio de Francisco de Assis Grieco). Rio de Janeiro: Editorial Escrita, 2002.

PAIM, Gilberto. Petrobrás: um monopólio em fim de linha. (Prefácio de Roberto Campos). Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, 259 pgs.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social. (Introdução e cronologia a cargo de Pierre Burlegin). Paris: Garnier-Flammarion, 1966.

SARAIVA, José Hermano (1919-2012), historiador e político português, autor da obra clássica intitulada: História concisa de Portugal. Lisboa: Europa-América, 1978.

SCHNEIDER, Susan. O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto. Lisboa: A Regra de Ouro, 1980.

TEIXEIRA SOARES, Álvaro, embaixador. O Marquês de Pombal – A lição do passado e a lição do presente. Brasília: Editora da UnB, 1961.

TUMA JÚNIOR, Romeu. Assassinato de reputações, um crime de Estado (1ª edição), Rio de Janeiro: Topbooks, 2013.
WITTFOGEL, Karl. Le despotisme oriental – Étude comparative du pouvoir total. (Trad. de Micheline Pouteau), Paris: Minuit, 1977.

Bibliografia de Gilberto Paim

Livros

Amazônia de Pombal sob ameaça. Rio de Janeiro: Escrita, 2006. 2ª edição revista e renomeada: Amazônia ameaçada. Da Amazônia de Pombal à soberania sob ameaça. Brasília: Senado Federal, 2009.

Computador faz política. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos Econômicos, 1985.
De Pombal à abertura dos portos. Rio de Janeiro: Escrita, 2011.

Industrialização e economia natural. Rio de Janeiro: ISEB, 1957.

João Figueiredo: missão cumprida. (Gilberto Paim, organizador). Rio de Janeiro: Escrita, 2005.

O estoque brasileiro de capital segundo sua origem. Rio de Janeiro, 1975.

O filósofo do pragmatismo: atualidade de Roberto Campos. Rio de Janeiro: Editorial Escrita, 2002.

Petrobrás: um monopólio em fim de linha. (Prefácio de Roberto Campos). Rio de Janeiro: Topbooks. 1994.

Artigos de Gilberto Paim publicados na revista Carta Mensal

A confiança como âncora do Real. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 41, n. 492, p. 69-74, mar. 1996.

A contrarrevolução de 1964. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.55, n.659, p. 27-45, fev. 2010.

 A crise do setor elétrico. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 49, n. 579, p. 71-87, jun. 2003.

A dura liberdade da conquista. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.51, n.604, p. 55-66, jul. 2005.

A expulsão dos jesuítas na Era Pombalina: tema nebuloso. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.51, n.613, p. 74-93, abr. 2006.

Alternativas brasileiras. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 48, n. 574, p. 44-53, jan. 2003.

Antecedentes de uma grave crise política. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.55, n.651, p. 73-87, jun. 2009.

Armamentismo de Chávez. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.52, n.624, p. 42-65, mar. 2007.

A Sudene de Celso Furtado. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.51, n.606, p. 3-15, set. 2005.

A teoria do isolamento à luz do Nafta. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 47, n. 562, p. 37-48, jan. 2002.

Conspiração ativa contra a Amazônia. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.53, n.629, p. 3-18, ago. 2007.

Contas individuais na Previdência. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.53, n.627, p. 69-80, jun. 2007.

Do socialismo Fabiano ao desastre Keynesiano. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.53, n.632, p. 3-17, nov. 2007.

Formação de um potencial revolucionário. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 39, n. 461, p. 55-63, ago. 1993.

Fracassada iniciativa estatal de um bilhão e meio de dólares. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 39, n. 464, p. 13-20, nov. 1993.

Graves equívocos na historiografia luso-brasileira. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.52, n.621, 22-43, dez. 2006.

Informação para desvendar: O mistério Amazônico. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 48, n. 567, p. 26-44, jun. 2002.

Lucas Lopes e a eletrificação brasileira. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 42, n. 501, p. 53-70, dez. 1996.

MST-FARC: uma analogia perigosa. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.56, n.661, p. 58-77, abr. 2010.

Novos critérios de avaliação da situação econômica brasileira. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 43, n. 502, p. 65-70, jan. 1997.

Novos horizontes da economia petrolífera. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 40, n. 476, p. 57-67, nov. 1994. 

O fator humano na expansão do sistema elétrico. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 43, n. 509, p. 11-26, ago. 1997.

O grevismo a serviço do atraso: Assembleias minúsculas ou inexistentes decretam a paralisação do ensino superior. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.51, n.611, p. 55-63, fev. 2006.

O realismo de Juarez diante da questão do petróleo. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 38, n. 452, p. 40-54, nov. 1992.
  
O populismo como via para a Ditadura. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 48, n. 565, p. 26-41, abril 2002.
Os desafios do comércio com a China. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.56, n.681, p. 54-72, dez. 2011.

Petróleo: o deslocamento do poder. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.56, n.677, ago. 2011.

Programa do PT: modelo de retrocesso político. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.56, n.663, p. 37-55, jun. 2010.

Questões da transição demográfica: população, desenvolvimento e meio ambiente. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 43, n. 506, p. 77-86, maio 1997.

Questões polêmicas da revisão constitucional. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 39, n. 466, p. 3-14, jan. 1994.

Reforma tributária para sustentação do Real. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 41, n. 486, p. 19-32, set. 1995.

Reservas indígenas - Nacionalismo versus Populismo. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.54, n.640, p. 3-21, jul. 2008.

Roberto Campos - diplomata, economista e político. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v.51, n.609, 74-91, dez. 2005.

Sobre a República Socialista Ianomâmi. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 41, n. 485, p. 3-13, ago. 1995.

Temas atuais de Roberto Campos: Fundamentalismo Nativista. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 48, n. 569, p. 3-24, ago. 2002.

Uma radiografia do crédito estatizado. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 39, n. 468, p. 54-67, mar. 1994.  












[1] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos.  Rio de Janeiro: Editorial Escrita, 2011.
[2] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 19-20.
[3] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 22-23.
[4] José Hermano SARAIVA (1919-2012), historiador e político português, autor da obra clássica intitulada: História concisa de Portugal. Lisboa: Europa-América, 1978.
[5] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 26-27. O autor cita a obra do historiador português José Hermano SARAIVA, intitulada: História concisa de Portugal, ob. cit., p. 251 seg.
[6] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 27-28. Antônio PAIM, em obra memorável, traçou os aspectos essenciais do pombalismo, dos ângulos cultural e político, colocando-os em relação com os aspectos econômicos: A querela do estatismo – A natureza dos sistemas econômicos: o caso brasileiro. 2ª edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.
[7] Álvaro TEIXEIRA SOARES, embaixador, escreveu a obra intitulada: O Marquês de Pombal – A lição do passado e a lição do presente. Brasília: Editora da UnB, 1961.
[8] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 31-32.
[9] A respeito deste ponto, o historiador francês François GUIZOT, na sua clássica obra Histoire de la civilisation en Europe, depuis la chute de l´Empire Romain jusqu´a la Révolution Française, 8ª edição, Paris: Didier, 1864, p.  379 seg., destaca que tudo, no governo de Luís XIV, era pensado em função de tornar a França um Estado Moderno. Já não se faziam mais guerras por motivos pessoais como antigamente. As guerras em que o monarca francês se embrenhou obedeceram unicamente a razões de Estado.
[10] Ou de uma nova nobreza integrada por servidores incondicionais do Czar. Essa nobreza de origem burocrático foi, outrossim, uma das características marcantes da nobreza que estabelecida, no Brasil, ao longo do Segundo Reinado (1841-1889).
[11] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 32.
[12] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 33.
[13] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 35
[14] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 35-36.
[15] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 36.
[16] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 34-35.
[17] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 52-53.
[18] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 52.
[19] Ficou famosa, nos anais do espírito patrimonialista, a carta que o marquês encaminhou ao seu sobrinho quando foi nomeado por ele Governador das Capitanias do Maranhão e do Piauí. Nela, aconselha ao sobrinho que, na governança, atenda fundamentalmente à classe mais numerosa dos pobres, não levando em consideração a classe dos ricos que, além de serem pouco numerosos e menosprezar o povinho, tentarão desestabilizá-lo no poder caso se sintam prestigiados em demasia. Cf. a respeito, http://www.patrimonioslz.com.br/pagina171.htm
[20] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 54-55.
[21] Cf. PAIM, Antônio. A querela do estatismo – A natureza dos sistemas econômicos: O caso brasileiro. 2ª edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 65-77.
[22] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social. (Introdução e cronologia a cargo de Pierre Burlegin). Paris: Garnier-Flammarion, 1966, capítulo VIII.
[23] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 38.
[24] Cf. SCHNEIDER, Susan. O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto. Lisboa: A Regra de Ouro, 1980, p.  174 seg.
[25] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 82-83.
[26] CARREIRA, António. As Companhias Pombalinas. Lisboa: Editorial Presença, 1982.
[27] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 54-55. O autor se baseia, neste texto, na pesquisa desenvolvida pelo historiador português António Carreira na sua obra: As Companhias Pombalinas. Ob. cit., 1982.
[28] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 59-61.
[29] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 61-62.
[30] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 66.
[31] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 67.
[32] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 69-70.
[33] Cit. por PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 74.
[34] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 75.
[35] João Lúcio de AZEVEDO (1855-1933), historiador português, uma de cujas obras tornou-se um clássico para o estudo da economia no ciclo pombalino: Épocas de Portugal econômico - Esboços de história, Lisboa: Clássica Editora, 1988.
[36] PAIM, Gilberto. De Pombal à abertura dos portos. Ob. cit., p. 103.
[37] PAIM, Gilberto. Petrobrás: um monopólio em fim de linha. (Prefácio de Roberto Campos). Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, 259 pgs.
[38] PAIM, Gilberto. Petrobrás: um monopólio em fim de linha. (Prefácio de Roberto Campos). Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 15.
[39] Essad Bey era o pseudônimo utilizado pelo judeu, de origem russa, Lev NUSSINBAUM (1905-1942), autor da conhecida obra intitulada: A luta pelo petróleo (tradução de Charles Frankie; revisão de Monteiro Lobato; São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935). Nesta obra, o autor analisava a exploração petroleira como a grande arma dos imperialismos para prostrar as nações menos desenvolvidas e proprietárias de grandes jazidas de hidrocarbonetos. O remédio apregoado consistiria na organização de uma empresa petroleira estatal, que agiria como monopólio, com a finalidade de defender a riqueza nacional contra a cupidez estrangeira.
[40] PAIM, Gilberto. Petrobrás: um monopólio em fim de linha. (Prefácio de Roberto Campos). Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 25.
[41] Cf. MONTEIRO LOBATO, José Bento Renato. O escândalo do petróleo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936. Para o escritor paulista, o petróleo constituía uma riqueza enorme, que deveria beneficiar a todos os brasileiros, sem que fosse lícito que meia dúzia de burocratas e de empresários aliados a eles sentassem encima e só permitissem a exploração monopolista que beneficiasse minorias. Monteiro Lobato virou empresário do petróleo, tendo fundado várias empresas de perfuração (Companhia Petróleos do Brasil, Companhia Petróleo Nacional, Companhia Petrolífera Brasileira, Companhia de Petróleo Cruzeiro do Sul, Companhia Mato-grossense de Petróleo). Foi vencido pela burocracia patrimonialista do Estado brasileiro. O Estado getuliano não aceitou a visão nacionalista que centrava, nos empreendedores nativos e não no Estado, a iniciativa para a empresa petrolífera. Provavelmente, a visão corporativista que animava a proposta de Monteiro Lobato desagradou ao chefe do Estado Novo que, como bom castilhista, queria fazer do Estado empresário o fator de enriquecimento nacional. O corporativismo econômico não era do agrado de Getúlio. Daí a sua divergência com Francisco Campos (1891-1968). O paradoxo do desfalque de Monteiro Lobato como empresário consiste em que foi levado pelas circunstâncias a se aproximar dos comunistas, após a prisão que sofreu no Estado Novo, motivada pelas suas críticas ao monopólio estatal. Ironias cruéis da História. O escritor desiludiu-se por completo com a política estizante do governo. Os burocratas do Estado Novo teimavam em dizer que no Brasil não havia petróleo, mas negociavam por baixo dos panos com as companhias americanas.
[42] KRAMER, Dora. “Feitiço invertido”. O Estado de São Paulo, 20 de Março de 2014.
[43] PAIM, Gilberto. Petrobrás: um monopólio em fim de linha. Ob. cit., p. 28.
[44] PAIM, Gilberto. Petrobrás: um monopólio em fim de linha. Ob. cit., p. 28-29.
[45] CAMPOS, Roberto. “Prefácio”. In: PAIM, Gilberto. Petrobrás: um monopólio em fim de linha. Ob. cit., p. 10.
[46] PAIM, Gilberto. O filósofo do pragmatismo – Atualidade de Roberto Campos. (Prefácio de Francisco de Assis Grieco). Rio de Janeiro: Editorial Escrita, 2002, p. 79.
[47] PAIM, Gilberto. O filósofo do pragmatismo – Atualidade de Roberto Campos. Ob. cit., p. 80.
[48]PAIM, Gilberto. Computador faz política. Rio de Janeiro: Associação Promotora de Estudos Econômicos, 1985.
[49] PAIM, Gilberto. Computador faz política. Ob. cit., p. 79.
[50] PAIM, Gilberto. O filósofo do pragmatismo – Atualidade de Roberto Campos. Ob. cit., p. 82.
[51] PAIM, Gilberto, Computador faz política. Ob. cit., p. 85.
[52] PAIM, Gilberto, Computador faz política. Ob. cit., p. 83-84. Na obra intitulada: Guia para os perplexos (Rio de Janeiro: Editorial Nórdica, 1988, p. 16), Roberto Campos apresentava esta definição de Informática: “Aliança entre militares, esquerdistas e empresários antidarwinianos. Estes acreditam que deve sobreviver não o mais apto, e sim o mais protegido da concorrência alheia. Artifício usado para induzir a maioria – centenas de milhares de usuários – a se subordinar aos interesses de uma minoria – poucas dezenas – de industriais do setor. Também usado para garantir privilégios aos que copiaram equipamentos estrangeiros antes dos outros. Segundo a seita, produzir no país só é bom se o produtor tiver certificado de batismo local, sendo, em caso contrário, preferível importar”.
[53] Faço referência, aqui, à obra do delegado Romeu Tuma Júnior, intitulada: Assassinato de reputações, um crime de Estado (1ª edição, Rio de Janeiro: Topbooks, 2013) que pôs a nu a política totalitária dos governos petistas no terreno da informação, visando a montar falsos dossiês contra desafetos, com  a finalidade de tirá-los da cena política. Segundo o autor, tratou-se da tentativa de implantar no Brasil um Estado policial.
[54] O sociólogo alemão Karl WITTFOGEL (1896-1988) faz detalhada análise desse modelo de “modernização pela metade” na sua obra Le despotisme oriental – Étude comparative du pouvoir total. (Trad. de Micheline Pouteau), Paris: Minuit, 1977.
[55] “Dos vinte e nove dias em que esteve no cargo – escreve Gilberto Paim -, ele dedicou vinte e um a conversações com o Banco do Brasil, em Brasília, sobre a concentração de todos os recursos financeiros disponíveis da empresa em conta no estabelecimento oficial de crédito. Exercendo suas funções, nesse curto período não chegou a ter a oportunidade de assinar um cheque sequer. A máfia petrolífera percebeu o risco que corria com a presença desse homem no cargo chave da empresa. Que aconteceria com os vastos dinheiros do monopólio e suas subsidiárias, aplicados sem controle em diferentes agências de dezenas de bancos? A aludida concentração no BB representava um exemplo a ser contornado por todos os meios. Era um grave perigo a presença de Nóbrega! Por isso, tentou-se envolvê-lo num processo rumoroso. Mas a Justiça agiu de forma coerente. Finalmente, foi ele contemplado com decisões judiciárias, em duas instâncias, que o absolveram de acusações malévolas (...). Não obstante esse e outros exemplos semelhantes, os ingênuos que glorificam a Petrobrás continuam na crença de que a empresa, responsável pelo endividamento externo e pela subsequente desordem que afeta a economia nacional, é um santuário de altruístas”. (PAIM, Gilberto. Petrobrás: um monopólio em fim de linha. Ob. cit., p. 14.).