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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

RUSSOS E AMERICANOS NA PERSPECTIVA DE TOCQUEVILLE


Donald Trump ainda não assumiu a presidência dos Estados Unidos, mas a política de ataques cibernéticos ao Partido Democrata durante a campanha presidencial estadunidense ordenada, ao que parece, pelo próprio Putin, já está causando estragos nas relações entre as duas potências. 

Fiel à sua Realpolitik, Putin respondeu à expulsão de 35 diplomatas russos ordenada por Obama, destacando que não se envolveria nessa retaliação "de cozinha" do atual presidente americano. Esperar para Donald Trump assumir, para ver como se definem as relações estremecidas entre os dois países. Provavelmente haverá um período de tranquilidade, à luz das simpatias expressas de ambos os lados, tanto por parte de Putin em face de Trump, quanto de parte do novo presidente americano, que assumirá no final de janeiro, para com Czar russo.

Enquanto os dias passam e se desenha a nova linha das relações americano-russas, vale a pena recordar a forma original em que Alexis de Tocqueville encarava o futuro da política internacional entre os Estados Unidos e o país dos Czares. O escritor francês dedicou ao tema uma boa parte da Conclusão da primeira parte da sua obra Da Democracia na América (publicada em 1835), em que destacava duas coisas: de um lado, a fortaleza de ambas as Nações; de outra, o caráter absolutamente diferente da liderança constituída, no interior delas, pelos respectivos dirigentes.

Lembremos as palavras de Tocqueville: "No mundo, existem hoje dois grandes povos que, embora partindo de pontos diferentes, parecem avançar para o mesmo destino: são eles os Russos e os Anglo-Americanos. Ambos cresceram na obscuridade e enquanto  os olhares dos homens se dirigiam para outros fins, eles colocaram-se na primeira linha das nações e o mundo conheceu ao mesmo tempo o seu nascimento e a sua grandeza. Todos os outros povos parecem ter atingido aproximadamente os limites que a natureza lhes traçou, nada mais lhes restando do que mantê-los; mas aqueles estão em crescimento; todos os outros pararam ou só avançam à custa de mil esforços; só aqueles progridem com um passo  fácil e rápido por um caminho cujos limites se furtam ainda aos olhos dos homens. O Americano luta contra os obstáculos que a natureza lhe opõe; o Russo trava lutas com os homens; um combate o deserto e a barbárie; o outro, a civilização com todas as suas armas; deste modo, as conquistas do Americano fazem-se com o arado do lavrador, as do Russo com a espada do soldado. Para alcançar o seu fim, o primeiro conta com o interesse individual e deixa agir, sem as dirigir, a força e a razão dos indivíduos. O segundo,  de certo modo, concentra num só homem todo o poder da sociedade. Um tem por meio principal de ação a liberdade; o outro, a servidão. O ponto de partida de ambos é diferente, as suas vias são diversas; contudo, cada um deles parece chamado, por um destino secreto da Providência, a conservar um dia nas mãos os destinos de uma metade do Mundo" (Tocqueville, Da Democracia na América, 1a. edição, tradução de Carlos Correia Monteiro de Oliveira; prefácio de João Carlos Espada. Lisboa: Principia - Publicações Universitárias e Científicas, 2001, pg. 462).

Palavras proféticas escritas em 1835, que se encaixam de modo admirável no diverso curso seguido pelas duas Potências, entre a primeira metade do século dezenove e o final da segunda década deste conturbado início do século XXI. 

Um detalhe demográfico interessante: na época de Tocqueville, o escritor anotava que a Rússia aparecia como a Nação cuja população mais crescia na Europa. Que fator teria incidido na diminuição que a população russa teve no século XX? Não há dúvida de que esse fator deva ser creditado na conta negativa do Comunismo, com as suas purgas e a eliminação sistemática de opositores ao totalitarismo soviético, que só na época de Stalin assassinou mais de vinte milhões de cidadãos russos!

Do lado americano, o fator mais importante a ser destacado foi a ascensão dos Estados Unidos à posição de superpotência global, no complexo fenômeno analisado por Raymond Aron na sua clássica obra intitulada: A República imperial - Os Estados Unidos no mundo (1945-1972), que foi publicada em 1974. Ora, os Americanos teceram uma política de contenção ao totalitarismo mediante a defesa da liberdade, para a qual a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) foi o principal elemento de dissuasão em face do mundo comunista.

No complexo mundo globalizado atual, que parece reagir contra esta feição de relativização de fronteiras e de mercados em prol do crescimento da economia mundial, o que poderíamos esperar, à luz da análise tocquevilliana? Tanto a Rússia quanto os Estados Unidos parecem voltar a insistir em características nacionais próprias, para fazer frente às dificuldades globais. 

O Mundo Globalizado progrediu enormemente, tendo incorporado ao mercado mais de 700 milhões de pessoas pelo mundo afora, ao longo dos últimos trinta anos. Mas, no rastro desse fantástico fenômeno de crescimento e de relativização de fronteiras, algo ficou do lado de fora:  tanto no contexto russo, quanto no americano, como alhures (inclusive no Brasil) ficaram de fora da festa global aqueles bolsões que não se equiparam epistemológica e tecnicamente de forma adequada para lucrarem com a globalização. 

Esses bolsões são constituídos por aquelas populações brancas, não instruídas e marginalizadas que, nos Estados Unidos, não entravam nas estatísticas dos Institutos de Pesquisas Eleitorais, mas que, de posse de instrumentos de empoderamento como os smartfones, encontraram em Trump um discurso de esperança e lhe deram a vitória de forma surpreendente.

Algo semelhante deve ter ocorrido no contexto russo, tendo sido Putin o galvanizador dessa reação. Claro que de forma diferente e de acordo às exigências do velho despotismo hidráulico, que foi concretizado e potencializado pelo antigo chefe do Serviço Secreto. O que certamente se observa é que a Pax Americana já não é mais a mesma do Segundo Pós-Guerra e a Globalização também não é mais a mesma de vinte anos atrás.

Encontramos, em 2017, um Planeta dividido em centros múltiplos de influências estratégicas confusas, em que o nosso Brasil, cindido e bagunçado pela turbulência lulopetista, tenta se situar, sem achar ainda, claramente definido, o caminho a seguir.

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