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sexta-feira, 14 de julho de 2017

O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E A RESPONSABILIDADE SOCIAL

Em boa hora entra na pauta da discussão acadêmica a questão da moral social aplicada ao campo da saúde. A dissertação intitulada: O Direito fundamental à saúde e a responsabilidade social: uma contraposição ao argumento da reserva do possível (Londrina: UEL, 2017, 106 p.) defendida por Natália Martins de Abreu, com a orientação do Professor Doutor Clodomiro Bannwart (da UEL) e com a participação, na banca examinadora, da Professora Doutora Rita de Cassia R. Tarifa Espolador (da UEL) e deste escriva (docente da FAAT),  insere-se nesse contexto.  

Ora, na nossa tradição luso-brasileira, eivada de cientificismo, não era possível enxergar esse tipo de abordagem até algum tempo atrás. Tamanhas as certezas das elites pensantes acerca do que deveria ser o agir humano, todo ele entendido no contexto do estreito cientificismo de origem pombalina, segundo o qual cabia ao Estado-empresário garantir a riqueza da Nação e pautar verticalmente a moral pública e privada.

Para Pombal e o despotismo ilustrado emergente das suas reformas educacionais, competia ao Estado garantir a riqueza da Nação, não precisando, o reles cidadão, de mais esforço do que se encostar na estrutura todo-poderosa para se enriquecer, sem precisar encarar o incômodo de trabalhar. “Pai-Estado”, rezava o pai-nosso pombalino, “dai-nos o emprego e livrai-nos do trabalho, amém”. Não foi essa variante improdutiva, exclusiva herança portuguesa. Também o Império Russo da czarina Ana Ivanovna, encontrou semelhante caminho de modernização ao ensejo das reformas empreendidas na segunda metade do século XVIII, sob os cuidados do médico judeu português Antônio Nunes Ribeiro Sanches que, de Paris (para não cair nas garras da Inquisição de Lisboa), assessorou também D. José I e o seu todo-poderoso marquês, nas reformas modernizadoras que deram ensejo a nova variante de nobreza burocrática, ao ensejo da criação do Colégio dos Nobres de Lisboa, origem remota da nossa Real Academia Militar, criada em 1810, no Rio, pelo Conde de Linhares.

Hoje em dia, com motivo do maremoto causado pela corrupção sistêmica e pela Operação Lava-Jato que a desnudou, as questões relativas ao que seria a moral social começam a ficar mais ou menos explícitas para a opinião pública. O mal-estar de início foi grande: não tivemos formulada de cima para baixo uma tabela comportamental pela qual possamos nos guiar. Também pudera! Estávamos acostumados a que as orientações, em matéria de comportamento social, eram pautadas desde cima, pelo Estado modernizador. Foi o modelito castilhista-getuliano que terminou dando certo na nossa história republicana mas que, ao ensejo da redemocratização da vida política, revelou-se insuficiente. Afinal de contas, o papel do governo como parâmetro moral entrou em declínio, já desde os tempos de Itamar (quando a cúpula do Estado se refestelou com passistas seminuas no camarote do samba). Ora, se o formulador da moral social é o Estado e este se corrompe, estamos entregues, em matéria de critérios de comportamento ético, à novela das nove que, convenhamos, não é uma Brastemp de moralidade. E como gostaríamos nós, simples cidadãos, que junto com a abertura democrática, nos tivesse sido dada de presente a tabelinha dos princípios da moral social! Novel professor de EPB na USP em 79, tentei estimular os meus alunos para que debatêssemos em sala de aula a magna questão da moral social que nos deveria pautar e que não pode vir de Brasília já feita. Tive um rotundo fracasso pedagógico. Afinal, como me dizia um acadêmico de direito, meu aluno, no Largo de São Francisco, “de moral e de religião não se discute”!

Bom, o certo é que por caminhos transversos a discussão em torno à moral social terminou se instalando na Academia brasileira, sendo o debate puxado, quem diria, pelo meliante Fernandinho Beira-Mar que, na famosa comissão da CPI do Narcotráfico, lá nos anos 90, ao ser indagado pelo deputado que presidia a Comissão acerca da profissão por ele exercida, respondeu: “Traficante, excelência”. – “Traficante de que?” Indagou o deputado. – “Ora, excelência, traficante de cocaína”! – “Pode nos indicar os nomes dos seus fornecedores?” – perguntou ainda o ingênuo Presidente da Comissão. - Não posso, excelência, entregar os meus fornecedores", respondeu Beira-Mar. - "Eu eu sou um bandido ético”! Outros “Bandidos éticos” juntaram-se à turma dos que inauguravam o debate em torno à moral social e daí a moda pegou na sociedade brasileira. Hoje todo mundo quer dar palpite nessa questão. Felizmente não foram só os “bandidos éticos” que passaram a falar, mas também os cidadãos comuns, as Igrejas, as Universidades e Faculdades, os Sindicatos, os animadores dos Programas de Auditório das Tevês, etc. Até “Comissões de Ética” foram inauguradas no nosso combalido Parlamento.

Hoje é muito variado o panorama dos grupos que, no seio da sociedade, debatem a questão da moral social, potencializada a discussão pelas redes sociais. É possível encontrar, no panorama do debate nacional, variadas agrupações que, mais ou menos organizadas ou de forma espontânea, dão palpites em termos do que seria fundamental para termos uma moral social. Enumero apenas dois grandes grupos ao redor dos quais se arrumam os que debatem questões de moral social: 1 – Cientificista; 2 – Dialógico.

O primeiro grupo recolheu a velha tradição do cientificismo pombalino, aliada à versão do cientificismo marxista. Segundo essa vertente, a verdade em matéria de comportamento social é uma só, cabendo à Ciência Social identifica-la e impô-la à sociedade, de forma vertical, a partir do Estado. É uma tendência na qual terminaram tomando carona diversos grupos de inspiração jacobina ou rousseauniana, segundo os quais a regeneração moral da sociedade brasileira consiste no abandono da luta em prol de interesses individuais, devendo ser imposto, pelos puros, o interesse geral, numa espécie de unanimidade salvadora.

É no segundo grande grupo que hoje ocorre o animado debate em torno às questões da moral social. Esse grupo se alimenta do que a filosofia moderna e contemporânea oferece em termos de fontes, valendo destacar a presença, no nosso meio, de estudiosos de autores tão variados quanto Russell Kirk, Edmund Burke, Friedrich Hayek, Von Mises, Roger Scruton, Jürgen Habermas, Adam Smith, etc.

A filosofia de Jügen Habermas ocupa certamente lugar de destaque nesse grande debate, justamente por ter sido uma das correntes de pensamento – junto com a tendência hermenêutica de Karl Oto Apel – que de forma mais completa reflete sobre as variantes da moral e do direito. No contexto da evolução da social-democracia alemã, o pensamento de Habermas tem tido um peso enorme, ao longo especialmente das últimas três décadas. A social-democracia alemã, pela mão de Edward Bernstein afastou-se do socialismo “científico” de inspiração marxista e passou a considerar ser o socialismo mais uma questão de tipo moral, ligada ao imperativo categórico de não explorar o trabalho alheio.

As conquistas dos trabalhadores vieram na Alemanha de mãos dadas com o abandono das teses do “socialismo científico” e passaram a se alicerçar num modelo de socialismo democrático que utilizou a estrutura sindical para se consolidar como programa de um partido político, buscando na disputa parlamentar o meio onde faria amadurecer as propostas de libertação da classe trabalhadora, não mediante o expediente da revolução proletária e da ditadura do proletariado, mas no contexto de reformas pacientemente efetivadas mediante a legislação ordinária.

O fato de os principais partidos europeus de inspiração social-democrata terem galgado o poder pela via eleitoral, na Alemanha já no final do século XIX, na Inglaterra com os trabalhistas nos anos vinte e na França com os socialistas do Front Populaire de Léon Blum, nos anos trinta, mostra o quanto estavam certos primeiro Ferdinand Lassalle (ainda nos tempos de Marx) e ulteriormente Jean Jaurès e Edward Bernstein (no finzinho do século XIX e nas primeiras décadas do século XX) no diagnóstico reformista.

Como foi frisado no Curso de Ciência Política do Instituto de Humanidades, "A principal contribuição de Edward Bernstein consistiu em ter criticado de forma clara a hipótese revolucionária dos bolcheviques. Para ele, os trabalhadores ganhariam melhores condições de vida pela via das reformas, através da prática do sindicalismo responsável, aliada à sua participação na atividade parlamentar". 

Enquadrando o dogmatismo do denominado "socialismo científico", escrevia Bernstein:"Toda experiência histórica e também muitos fenômenos do tempo presente testemunham que o modo capitalista de produção é tão passageiro como qualquer outro modo de produção anterior. Mas o que aqui devemos elucidar é se o seu final será uma catástrofe, se se deve esperar que esta ocorra num futuro próximo e se conduzirá necessariamente ao socialismo. As respostas dadas a esta pergunta - ou perguntas – de parte dos socialistas diferem não pouco entre si. Outras hipóteses que não mais se aceitam: a idéia da pauperização crescente da classe trabalhadora; a do paralelismo entre o desenvolvimento da indústria e da agricultura; da fusão da classe capitalista; do desaparecimento das diferenças entre as ocupações. Toda uma lista de teses que passavam por estar cientificamente demonstradas, e todas elas resultaram ser falsas; bem, não exageremos, e digamos que se revelaram verdades parciais”. (Ricardo Vélez Rodríguez, organizador. Curso de Ciência Política, FAAT - Instituto de Humanidades, 2017, pg. 54)

Acho que a mestranda poderia levar em consideração de forma mais sistemática essa abordagem, na descrição que faz da forma em que se firmaram historicamente os direitos fundamentais sociais, no capítulo 3 da sua dissertação. Ora, esses direitos não percorreram o caminho de uma abstrata doutrina cientificista que implantaria a “ditadura do proletariado” pela via da revolução, mas se firmaram como fruto da participação política moderada e reformista dos sindicatos em partidos de inspiração social-democrática.


Destaco, no entanto, que o núcleo da Dissertação que aparece nos capítulos 4º (“O argumento da reserva do possível, como óbice à efetivação do direito à saúde”) e 5º (“A superação ao argumento da reserva do possível baseado na teoria da ação comunicativa”), está bem formulado e explanado, sendo plenamente satisfatório o desenvolvimento dessa parte do trabalho.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

LULA CONDENADO

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva depõe perante o juiz Sérgio Moro em Curitiba (maio de 2017).

O Juiz Sérgio Moro, em decisão histórica, condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão. A condenação proferida por Moro prevê também que o ex-presidente deverá ficar fora dos cargos públicos por 19 anos. A Nação respirou aliviada. Por fim o arquiteto do caos e da roubalheira aos cofres da Nação é enquadrado pela Justiça! Tomara que o Tribunal Superior confirme a sentença do bravo juíz Sérgio Moro, que não se deixou intimidar pela gritaria petralha. Sem a condenação de Lula, a Operação Lava-Jato ficava a meio caminho e restava, na sociedade, a impressão de que o crime compensa. Lula poderá esbravejar à vontade. As suas repetidas falcatruas e o roubo continuado à Nação não ficarão impunes!

Outras condenações virão, pois aqueles crimes que foram objeto da atual são apenas a ponta do iceberg do amplo leque de desmandos, que outros processos haverão de elucidar e enquadrar nos rigores da lei. Em oito anos de mandato Luiz Inácio Lula da Silva conspurcou a moral da Presidência da República. Agiu como se estivesse acima da lei. E agora recebe da Magistratura a condena que merece.

Espero que o Tribunal Superior confirme a sentença do juiz Sérgio Moro, a fim de que, de forma definitiva, fique clara a lição deste processo: ninguém, nem sequer um ex-presidente da República, está acima da lei. 

A condenação de Lula pela Justiça seguiu um rito rigoroso que ainda precisa ser observado, enquanto a decisão da primeira instância não for confirmada pelo Tribunal Superior. O juiz Moro compulsou os fatos delituosos apresentados pelo Ministério Público com o cânone da lei. Da comparação entre uns e outro extraiu a sua sentença, seguindo uma dosimetria indicada também em lei.

A opinião pública, por sua vez, sensível aos valores da boa fé e da credibilidade entre as pessoas, já tinha proferido a sua sentença no terreno da política: as repetidas manifestações que encheram ruas e praças rejeitaram de forma decidida a desfaçatez de quem se apresentou como moralizador da política e terminou dando o exemplo contrário, agindo em benefício de uma parcela dos brasileiros identificados com os membros do Partido do governo e da base aliada, que passaram a receber grossas somas de dinheiro público desviado com a finalidade de garantir a hegemonia partidária e a permanência do líder e dos seus sequazes, sine fine, à testa da República. Assim, à condenação política vem se juntar, agora, a proveniente dos tribunais.

Espíritos espertalhões que tentaram utilizar o processo de enquadramento legal dos homens públicos que traíram as instituições republicanas às quais deveriam servir, canalizando o rigor dos tribunais pelo caminho torto das conveniências momentâneas do poder encontrarão, certamente, freados os seus ímpetos antirrepublicanos. É a segunda lição que o juiz Sérgio Moro deixa nos anais da história brasileira. O bom magistrado age à luz da lei e pauta por ela todas as suas decisões, inclusive a nova onda das delações premiadas, sem permitir que estas deixem de servir aos interesses da República, se firmando rigorosamente nas normas fixadas nos códigos e sem impedir o saudável debate político que se deve calçar na liberdade e na tripartição e independência de poderes estabelecida na Constituição.

Terceira lição da sentença do juíz Sérgio Moro: não se trata de invalidar a política, como se esta tivesse de ser sempre "jogo sujo", pelo fato de representar os interesses dos cidadãos. Trata-se, sim, de descriminalizá-la, tirando-a das páginas policiais. E, nesse esforço de saneamento, o papel da imprensa livre é fundamental. 

A propósito, o magistrado paranaense frisou na sua sentença: "O sucessivo noticiário negativo em relação a determinados políticos, não somente em relação ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parece, em regra, ser mais o reflexo do cumprimento pela imprensa do seu dever de noticiar os fatos do que alguma espécie de perseguição política a quem quer que seja. Não há mais qualquer dúvida de que deve-se tirar a política das páginas policiais, mas isso se resolve tirando o crime da política e não a liberdade da imprensa".