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segunda-feira, 25 de junho de 2012

LULA MALUFOU OU MALUF LULOU?


“Lula malufou” ou “Maluf lulou?”- Eis a pergunta que está na boca de muita gente. Eu responderia: ambas as coisas, mas Lula age como diretor da orquestra. Porque tanto Lula quanto Maluf são encarnações da cultura política patrimonialista, aquela identificada por Oliveira Vianna (em Instituições políticas brasileiras) como “política alimentar” e que Max Weber tinha chamado de Patrimonialismo, ou seja, aquela forma de organização política em que o Estado emerge como hipertrofia de um poder patriarcal original, que alarga a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extra patrimoniais, administrando tudo isso como se fosse a sua propriedade familiar ou patrimonial. Era o que John Locke (1632-1704), na sua juventude, quando viajou pela França na época de Luis XIV, identificou como “o mal francês”, tendo deixado as suas impressões consignadas na pequena obra intitulada: De morbo gallico. Essa expressão referia-se, na época, na literatura médica, à sífilis, mas Locke, desdobrando-a, a aplicava ao absolutismo do rei que falou de si mesmo: ”L’État c’est moi” .

O Partido dos Trabalhadores, como demonstrou Antônio Paim na sua obra intitulada: Para entender o PT (Londrina: Instituto Humanidades, 2002), constitui, na história republicana contemporânea, a mais completa encarnação do Patrimonialismo. Lula é, sem dúvida nenhuma, quem tem conduzido a sua agremiação nessa direção, no contexto da sinfonia política, afastando-a, ciosamente, dos extremos reformista-modernizador e revolucionário, e conservando-a no patamar da estratégia de privatização do poder para enriquecimento próprio e dos seus confrades.

É o que o PT tem feito ao longo destes dez anos. Ocupar a máquina do Estado como se fosse a sua propriedade particular, tentando cooptar os outros Partidos. O Mensalão seria apenas expediente tático dessa estratégia. E a aproximação às tradicionais lideranças patrimonialistas (Sarney, Maluf, etc. identificados por Lula como “pessoas especiais”) constituiria uma decorrência natural da mesma. Nesse sentido, o ex-presidente petista prestou um grande serviço para o esclarecimento da natureza alimentar da política petista, tendo colocado a nu a sua índole nitidamente patrimonialista e cooptativa. Nessa negociação de apoios cooptados entrou a própria Igreja Católica (mãe do PT, no início dos anos 80, junto com o novo Movimento Sindical) quando pareceu se afastar do pragmatismo lulista, que ameaçou, pela boca do ministro Gilberto Carvalho, privilegiar os evangélicos. Brizola, na sua retórica dos pampas, identificou a tendência às cooptações amplas do lulismo com aquela frase que ficou famosa: “O PT é a esquerda que a direita gosta”. Trocado em miúdos: Lula é capaz de cooptar todo mundo que apareça no cenário político, não importando a ideologia.

Lula é animado, nessa estratégia patrimonialista, pelo modelo ético identificado com o princípio de “levar vantagem em tudo”, que se aproxima do imperativo comportamental totalitário ao acreditar que, nessa empreitada, “os fins justificam os meios”. Essa constitui, a meu ver, a variante destrutiva do lulopetismo, que ignora qualquer outro imperativo ético, bem como a natureza das instituições republicanas, em função da estratégia dominante de conquista do poder para benefício exclusivo da agremiação partidária. Tudo deve ser cooptado: Partidos da base aliada, oposição, imprensa, bem como os outros poderes. O que resta de toda essa força centrípeta é o mar de lama a transbordar no recipiente da história republicana contemporânea. Infeliz pragmatismo que está conduzindo o Brasil à entropia da vida política e social, aproximando-nos lastimavelmente do caudilhismo peronista e do chavismo.

Octavio Paz caracterizou o patrimonialismo mexicano na sua clássica obra intitulada: O ogro filantrópico (1983). Segundo este escritor, o Estado patrimonial era, no México, ogro, porque não tolerava oposição nem sentimentos de dignidade que se contrapusessem ao Partido Revolucionário Institucional, mas era, também, filantrópico, porque generosamente distribuía benesses entre os que apoiassem, sem restrições, a ordem estabelecida. Lula está deixando registrada, nos anais dessa modalidade de Estado, uma narrativa que poderíamos intitular: O ogro pilantrópico, tamanha a desfaçatez com que o guru e os seus seguidores aceitam qualquer tipo de malfeitos, conquanto praticados em benefício da agremiação partidária e dos seus filhotes e ameaçam, com a mais decidida perseguição, aqueles que ousarem se contrapor ao projeto de dominação em andamento: a imprensa livre, a oposição e os empresários independentes.

A economia vai mal, justamente porque, neste terreno, impera também a cooptação, mediante a seleção prévia dos empresários amigos que serão guindados às alturas, graças às benesses dos empréstimos oficiais subsidiados via BNDES. É a velha prática lusitana do pombalismo em matéria econômica, que constitui o nosso colbertismo tupiniquim. O caso Cachoeira-Delta está a revelar a extensão dessa prática deletéria na economia brasileira. De nada adiantam as articulações do PT e da base aliada para obedecer às ordens da liderança petista, no sentido de obstaculizar o comparecimento da cúpula da empresa em questão à CPI.

A sociedade brasileira já pressente, na inflação que regressa, o tamanho do rombo. Os excedentes obtidos a partir da valorização das commodities que exportamos foram utilizados, pelo governo, para encher os bolsos dos companheiros ou cooptar os “movimentos sociais”, deixando de fazer o dever de casa no que tange às obras de infraestrutura, que potencializariam o nosso desempenho comercial no mundo globalizado. Especialistas calculam que o montante a ser aplicado nessas obras de infraestrutura dever-se-ia situar na faixa dos 800 bilhões de Reais, mais ou menos a cifra que, ao longo dos governos petistas, foi despejada pelo ralo da corrupção e da cooptação. Resultados indesejáveis num mundo em grave crise financeira, que não perdoa cochilos das lideranças. Aproximamo-nos, nesse desleixo, da preguiça macunaímica do herói sem nenhum caráter que acordava, na narrativa de Mário de Andrade, pronunciando o bom-dia das sociedades sugadas pelo mostrengo patrimonialista: “Ai, que preguiça!”

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