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quinta-feira, 24 de julho de 2014

PRESIDENCIALISMO IMPERIAL



“A Constituição (...) queria garantir ao Estado um executivo estável, forte e eficiente, respeitando, ao mesmo tempo, os princípios da democracia. Mas, com o correr dos anos, a instituição presidencial virou onipotente, irresponsável e – paradoxalmente – incompetente. Querendo abarcar a totalidade da vida pública, o poder presidencial invade todos os domínios, paralisa a ação e não dá a mínima para a sociedade que não consegue reforma-lo, enquanto que os poderes legislativo e judiciário perdem a sua autoridade, os costumes políticos se corrompem e instâncias desprovidas de legitimidade democrática ditam a sua lei. (...)”. 


Palavras escritas por algum oposicionista ao governo de Dilma? Não. Foram redigidas em 1992, pelo escritor, filósofo e jornalista francês Jean-François Revel (1924-2006), membro da Academia Francesa de Letras, para criticar a corrupção e o autoritarismo que grassavam no Estado francês, que foi monopolizado pelo Executivo. Mandava, na época, na França, o presidente socialista François Miterrand (1916-1996), que ficou 14 anos na presidência da República, entre 1981 e 1995. Como os leitores podem observar, a semelhança com o Brasil de hoje é bem grande. Porque, aliás, a história francesa se assemelha muito à brasileira, no que tange à forma como se consolidou o Estado, com um Executivo hipertrofiado.


Lá como cá, o Executivo hipertrofiado instalou no Estado a irracionalidade e a improvisação. Lá como cá, essa pesada herança finca profundas raízes na história. Na França, o imperialismo presidencial é herdeiro direto do espírito absolutista de Luis XIV (1638-1715), que cunhou a famosa frase: “L´État c´est moi” (“O Estado sou eu”), que passou para os jacobinos, no final do século XVIII, que protagonizaram as desgraças da Revolução Francesa, ao colocar por cima de tudo e de todos o poder total do Diretório, que terminou sendo canalizado pelo genial Napoleão Bonaparte (1769-1821) no seu projeto de imperialismo unipessoal, que modificou as fronteiras da Europa, entre 1804 e 1814, com um saldo trágico de 3 milhões de vítimas. 


No Brasil, o “presidencialismo imperial” é filho direto do Castilhismo, que constituiu a primeira tentativa bem sucedida de ditadura republicana ao redor de um Executivo-legiferante. Por sua vez, o Castilhismo inspirou-se no despotismo esclarecido do Marquês de Pombal, com a sua tendência estatizante na política, na economia (com os monopólios estatais) e na cultura (com a nova forma de saber pseudocientífico garantido pelo Estado onipotente e legitimador das suas aventuras). Getulismo, regime militar e, hoje, lulopetismo, seriam frutos dessa árvore do absolutismo caboclo.


 Convenhamos que com o Getulismo e com o regime de 64 houve centralização do poder no Executivo, mas com o cuidado de dar satisfação à sociedade por razões tecnocráticas, mantendo um mínimo de eficiência e de decência no trato da coisa pública. No entanto, infelizmente, com o correr das décadas, o Executivo imperial perdeu toda a vergonha na cara e é exercido, hoje, como mandato unipessoal pela presidenta-poste, que manda e desmanda na economia, na política e na cultura, sem dar a mínima importância para os anseios e os reclamos da sociedade. O país é hoje gerido como apêndice familístico do PT e dos seus obscuros interesses sindicais, que tudo enxergam como passível de privatização em benefício da nova oligarquia petralha, que aspira a se perpetuar no poder.


Em relação à desagregação social e à sem-vergonhice de que se revestiu, na França, o “absolutismo ineficaz” do Presidente da República, Jean-François Revel escreveu o seu clássico livro intitulado: L´Absolutisme inefficace, ou contre le présidentialisme à la française (O Absolutismo ineficaz ou contra o presidencialismo à francesa, Paris: Plon, 1992). Nessa obra, encontramos as seguintes palavras sobre o caráter destrutivo do presidencialismo francês: “(...) É o presidente que está a serviço do Estado, ou o Estado que está a serviço do presidente? Aí está toda a questão da Vª República. Essa questão não consiste, pois, em saber quais são as falhas de caráter de François Miterrand ou de não importa qual outro presidente francês. A questão que se levanta é a de saber que a pendente das instituições as conduz a ampliar os seus defeitos em detrimento de suas qualidades, que acabam por desaparecer. De qualquer ângulo que se observe, o sistema presidencial francês parece conter um vírus fatal, pois ele conduz, sem que freio nenhum possa impedir, a este resultado: existe na França um único poder, o do presidente e, ainda mais, um poder que se converte muito rapidamente em instância pessoal, arbitrária e mesmo caprichosa, sem limite, sem decência, sem a menor sanção, senão a sanção final pela demissão graças ao sufrágio universal, cuja intervenção é infelizmente muito rara para dissuadir o soberano de confundir, ao longo de sete anos, a sua subjetividade com as leis da República” [p. 13].


Em tempos de campanha presidencial, em que a presidente age mais como candidata que utiliza toda a máquina do Estado ao seu favor, com a maior cara de pau, é bom lembrar o alerta de Revel, a fim de pensarmos o que deveria ser feito para modificar esse estado de coisas. Isto é tanto mais verdadeiro quanto que a petralhada no poder pretende, volta e meia, iludir a Nação com dispositivos plebiscitários que têm como única finalidade garantir a hegemonia do PT. Devemos pensar que a culpa por toda essa deformidade institucional é principalmente das nossas instituições. Tocqueville, a respeito das desgraças causadas pelo democratismo na França, considerava que esses intentos de poder total só poderiam ser superados de forma democrática, fazendo, primeiro, uma radical crítica dos mesmos. Já está em tempo de que a opinião pública brasileira se mobilize em prol de conter essa tendência de um presidencialismo imperial, que age, agora, com ares de “revolução bolivariana”. Cadê a proposta de reforma política que poria limite a toda essa desgraça coletiva? Com a palavra os candidatos.

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